Após a batalha de Grodek, em 1914, na Galícia, 90 feridos graves do exército austríaco são entregues, num celeiro, aos cuidados de um tenente. Mero farmacêutico, quase sem remédios, ele pouco pode fazer. Do lado de fora, desertores são enforcados. Um dos feridos se mata, com um disparo, em sua presença. Ele também tenta o suicídio. Mas só obtem sucesso posteriormente, na segunda tentativa. Com uma overdose de cocaína. Idade: 27 anos. Nome: Georg Trakl. Nativo de Salzburgo, ele nascera não na pequena Áustria de hoje, mas no grande império dos Habsburgos. Um império que não se imaginava à beira do colapso. Somente duas carcterísticas distinguiram-lhe a vida: as drogas na qual se viciara e a poesia. Reconhecido por pessoas tão diferentes quanto os filósofos Wittgenstein, que apesar de admirá-lo, dizia não compreendê-lo, e Heidegger, que procurou decifrar sua "ambígua ambigüidade" (sic). Trakl tornou-se, através ds poemas escritos, principalmente nos seus dois últimos anos, o maior dos expressionistas e um poeta de exceção que, estabelecendo o nexo entre a loucura de Höelderlin e o desespero de Celan, tem sido cultuadoquase secretamente por um sem número de leitores devotos. Aos quais, graças ao belo trabalho tradutório de Cláudia Cavalcanti, podem juntar-se afinal os brasileiros. Pois, mais do que o vício, é sua poesia que prefigura o próprio e outros fins. Uma poesia de declínios e ocasos, desintegração e ruínas, decomposição e lindas mortes. Uma poesia orientada para um ocidente-poente (Abendland) que é a terra do entardecer (Abend), onde os animais são azuis e dorme-se um sono brnaco. Uma poesia dolorosamente imbuída da doença do mundom ao seu redor, descrente de qualquer cura e nostálgica de um tempo inconcebivelmente remoto. Foi Hine que, canceroso, agonizando em seu leito-esquife, escreveu: "Dormir é bom; morrer, melhor; o certo, porém, seria nunca ter nascido". Trakl considerava-se apenas semi-nascido. O suicídio servira menos para matá-lo do que para abortar seu completo nascimento. Tratava-se, portanto, da consumação natural da nostagia de seus poemas sob a forma de um derradeiro mergulho amniótico no antes - não depois - da vida, do pecado e da queda. |
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