A poesia lorquiana cheira a flor de laranja, e seu texto poético - espaço preto/branco - vasto areal a estampar os rastros de Andaluzia; por ele seguem, a pé, os ciganos, os cegos cantadores, os meninos tagarelas, as mulheres " pudientes", os "pregoneros", os peregrinos da Espanha estóica, católica, radical às vezes, pronta para o perdão imediato, ereta, em direção ao tempo sem fronteiras, de pé . . . Granada, riso escancarado, obsessão, gosto de laranja doce servida em bandejas amargas: o apelo de Tânatos! Mas o poeta segue o seu caminho sem olhar para trás; segue-o com sua "guitarra" e sua solidão. O menino Federico e seu colar de pássaros na garganta despertam os galos para o cora! solidário! Poeta e dramaturgo, nasceu a 5 de junho de 1898 em Fuente Vaqueros, quando a Espanha tentava florescer nas letras e nas artes. Granada, sua província de sortilégios e muitos apelos telúricos: berço e túmulo. Aprendeu as primeiras letras com a própria mãe - professora primária -, Vicenta Lorca, casada com Federico García Rodriguez, ambos provincianos e muito ligados à terra granadina. Precoce em tudo: na música, no desenho, nas letras, na descoberta do mundo circundante; joalheiro da palavra, sabia trabalhar o verso para que ele pudesse, quando lido ou ouvido, reluzir ou tilintar no espelho e no alforje da poesia pura. O vanguardismo de García Lorca coloca-o em uma posição
vantajosa em relação aos demais seguidores dos ismos estético-literários,
pelo simples fato de ele se colocar acima das camisas-de-força dos
ideários de cada um daqueles movimentos. Versátil, sabia aproveitar
praticamente as lições de quase todas as tendências e escolas literárias
para desembocar no artesanato da palavra, seu ofício maior. Em cada
verso, ourives miraculoso, procurava extrair todos os efeitos surpreendentes
das gemas e dos faiscantes engastes de ouro; com seus resíduos barrocos,
suas incursões pela comarca do romantismo e do simbolismo; seu ultraísmo
e, sobretudo, suas investidas a Ruben Darío, pois sabia tirar proveito
das lições da lírica popular e encontrar, no romance, água pura para
dessedentar-se e ar puro para respirar demoticamente. Igualou-se a
muitos outros poetas de sua geração no posicionamento contra a poesia
fria e descritiva do ultraísmo; tratou de acolher em seus versos as
revigorantes sugestões populares e inspirou-se nos cancioneiros do
século XV, sem, no entanto, abandonar a preferência pelas metáforas
do modernismo atrevido e do próprio ultraísmo sequioso pela
volta às fontes essenciais da poesia, tendo a metáfora como seu núcleo
gerador, detectável no Romancero gitano (1928) e no Poema
del Cante Jondo (1931). Não se pode negar a García Lorca o papel de um dos mais
representativos poetas espanhóis das três primeiras décadas de nosso
século, com expressiva repercussão até os dias atuais. Inegavelmente
foi aquele que, dentre todos os de sua geração, conseguiu alcançar
os patamares da fama, despertar maior entusiasmo entre os de sua geração.
Não importa que a crítica especializada, ao rastrear a produção inicial
de García Lorca, nela tenha encontrado flagrantes influências de Juan
Ramón Jiménez e algo do modernismo em sua primeira obra: Libro
de poemas (1921). Ele conseguiu superar os modelos e os inspiradores
iniciais de sua carreira literária. Não pretendemos, com tal afirmação,
negar os vínculos que ele manteve com os diversos movimentos estéticos
europeus e, principalmente, com aqueles nascidos ou assimilados pela
Espanha, pois, ao terminar a grande guerra européia, as teorias giram
em torno da desumanização da arte, através da palavra dos prosadores
da chamada geração de 1925: Ramón Gómez de Ia Serna, Jarnés Antonio
Espina, MaX Aub; entre os poetas, os da chamada geração de 1927: Gerardo
Diego, Salinas, Guillén, Alberti, desta sobressaindo a figura carismática
de Lorca, influenciado e, por sua vez, influenciador. Como separar a vida da obra de García Lorca se elas constituem
o verso e o reverso da mesma medalha? Seu corpo jamais pôde ser encontrado e, provavetmente,
baixou a vala comum. O terrível dia de seu fuzilamento já foi descrito
por muitos escritores, repórteres, testemunhas, porém nenhuma descrição
talvez supere a de José Bergamín: . . . lo asesinaron cobardemente.
Sacándolo a la madrugada de la casa y fusilándolo en la carretera, dejánlo
allí en la cuñeta". A maioria dos registros históricos
tem sido cruel para com os demais fuzilados, inclusive deixando de
mencionar a todos os sacrificados. Não é mister repetir que existe
um desrespeito humano também em referência a um companheiro de infortúnio
- um pobre e anônimo professor de aldeia -, mencionado nos textos
apenas pelo apelido de "El cojo". Não faltam críticos que atribuam a alta ressonância da
obra lorquiana ao seu destino trágico cuja repercussão ultrapassou
as fronteiras espanholas. Não partilhamos desta opinião. A obra de
Federico García Lorca sustenta-se por si mesma e vem, até os nossos
dias, varando o tempo graças ao seu valor intrínseco. Bastaria consultar
a extensa série de estudos consagrados à sua produção global, quer
na Espanha, quer no Exterior. Bastaria consultar as páginas do volume
publicado em Barcelona, 1937, por Emilio Prados: Homenaje al poeta
García Lorca contra de su muerte, com expressivas contribuiçôes,
entre outros autores, de Antonio Machado, José Bergamín, Pablo Neruda
e a maior parte dos poetas jovens da Espanha, seguido de uma seleção
da obra de García Lorca (poemas, prosa, textos teatrais, música, desenhos
etc.). Em Buenos Aires publicou-se Homenaje a Federico García Lorca
(1937), de Norberto Frontini, enriquecida com páginas de diversos
autores do mundo hispânico. A obra de García Lorca ressalta do mesmo modo por sua recorrência ao doce país da infância, apesar de ter sido ela marcada por graves e consecutivas enfermidades. Frágil, mas obediente aos conselhos maternos, conseguiu superar as crises. Entre uma provação e outra, estudou solfejo e piano. Fez o curso secundário em Granada e ingressou, em 1914, na Universidade de Granada, pela qual se diplomou em direito (1923), ali estudando também filosofia com Fernando de los Ríos que o estimulou a trasladar-se para Madri. Por esse tempo aproximou-se dos grandes nomes da vanguarda artística espanhola, no campo das letras, da música e das artes plásticas, chegando a tornar-se amigo íntimo de Salvador Dalí e Manuel de Falla, desenvolvendo e realizando, desta forma, sua vocação precoce em direção à música, à poesia e ao teatro. As revistas madrilenas lhe abriram as portas. A partir de 1925, passou a colaborar em vários periódicos da capital, sobretudo em La Gaceta Literaria e na Revista de Ocidente. É a partir do ano de 1926, como já vimos, que ele forma, com Salinas, Guillén, Alberti e outros poetas jovens, o grupo dos chamados poetas de vanguarda, seguindo as pegadas de Juan Ramón Jiménez, que revolucionaria, de fato, a poesia espanhola daquela época, ainda marcada pela influência deste poeta. Ático Vilas-Boas da Mota |
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