O POETA PEDE AO SEU AMOR
QUE LHE ESCREVA
Amor de minhas entranhas,
morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra
inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me
as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras
minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
( tradução:
William Agel de Melo )
ESTE É O PRÓLOGO
Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.
Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !
Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !
Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,
ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.
Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,
e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.
O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.
O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.
O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.
Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.
Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas
que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.
Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.
Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.
Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.
Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.
Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !
Deixaria neste livro
toda a minha alma...
(
tradução: William Agel de Melo )
VOLTA DE
PASSEIO
Assassinado pelo céu,
entre as formas que vão para a serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer meus cabelos.
Com a árvore de tocos
que não canta
e o menino com o branco rosto de ovo.
Com os animaizinhos de
cabeça rota
e a água esfarrapada dos pés secos.
Com tudo o que tem cansaço
surdo-mudo
e mariposa afogada no tinteiro.
Tropeçando com meu rosto
diferente de cada dia.
Asassinado pelo céu !
( tradução:
William Agel de Melo )
AR DE NOTURNO
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho ?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
( tradução:
William Agel de Melo )
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