O caldeirão

Aos sessenta anos-sonhos de tua vida (portas
que se abrem e fecham
fecham e abrem
carcomidas)
                       ferve

a gordura e as unhas das palavras
seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos
                                                           Ferve

e entorna o caldo, quebra o caldeirão
                                                       e enterra
teu faisão de jade do futuro
teu mavioso osso do passado

Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam
e o inimigo nº 1 já não te enxerga
                                                   ou vai-se embora
varre a tua cabana e expõe ao sol tua língua
tua esperança tíbia
                              o tigre da Coréia da parede

É lícito tomar agora a concubina
E despentear na cama a lua escura, o ideograma


A fera

Das cavernas do sono das palavras, dentre
os lábios confortáveis de um poema lido
e já sabido
voltas

para ela - para a terra
maleável e amante. Dela
de novo te aproximas

e de novo a enlaças firme sobre o lago
do diálogo, moldas
                              novo destino

Firme penetra e cresce a aproximação conjunta
E ocupa um centro: A morte, a fera
da vida
te lambendo


No lugar do medo

Todos os dias aqui tu te observas
E ainda está oculta (aqui) a tua semente

Comum será a tua raiz
                                     comum
ao olor da fêmea que atua no teu leito

Sê criativo o dia todo
Te empenha o dia todo cauteloso
                                                   voa
mesmo hesitante sobre o teu malogro

Quer sigas o fogo, quer sigas a água
sê só do fogo ou só da água
(pois que não há caminho
e a lei
é o inesperado)

Ainda oculta (aqui) a tua semente
                                                    está


A Cabana

É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
Que há força interior nas vigas do telhado
E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
E que tens uma esteira
                        E que tua casa não é lugar de ficar
mas de ter de onde se ir