Do
fundo da escrivaninha para o tecido da luminosa malha cibernética,
dos primeiros rabiscos à contagem regressiva do milênio,
quinze anos já é a referência espaço-temporal
que mede e conta a história do grupo Fundo
de Gaveta, que no início dos anos
80 participaria de um efervescente momento cultural da cidade
das mangueiras produzindo poesia marginal universitária.
O
"Jubileu de Cristal" do grupo quase passaria despercebido
não fosse um detalhe: hoje à noite vários
integrantes da experiência estarão se reunindo
numa grande festa na boate Baíto, do Parque dos Igarapés,
com direito a telões, repertório variado e
a apresentação do grupo Los Tres Amigos. A
ocasião não poderia ser melhor: o 38º
aniversário do cúmplice Celso Eluan, poeta
que hoje dirige uma loja de informática.
A
idéia para a comemoração, gerada num
encontro de bar, há poucos dias, ganharia inesperada
dimensão: além de hilários convites
personalizados, a surpresa maior ficou por conta da criação
de um site do Fundo de Gaveta, que mostrará
a oartir de amanhã, para os fundos de quintais do
mundo, alguns dos trabalhos editados pelo grupo nos três
únicos números da publicação
alternativa, feitos entre 1981 e 1983.
"O Fundo de
Gaveta fez parte de um tempo em que havia na cidade um movimento
cultural em franca ebulição, ainda com a movimentção
do bar 3x4, o início das oficinas de Miguel Chikaoka
e a criação do Arte Pará. O grupo se
reunia semanalmente para ler e discutir, poesias, artes
plásticas, novos lançamentos e até
bater bola, beber e etc. Depois da experiência cada
um foi tomando seu rumo", lembra o artista plástico
Jorge Eiró, que integrou o grupo juntamente com com
nomes como: Vasco Cavalcante, Yru Bezerra, Zé Minino,
Celso Eluan, Paulo Castro (William Silva) e outros colaboradores,
a maioria integrante do meio universitário da Belém
do final da década de 70 e início dos anos
80.
Totalmente
alternativa, a primeira edição do Fundo de
Gaveta foi feita em 1981 ao melhor estilo da geração
mimeógrafo: de eventos realizados pelo grupo e coletas
saíram os recursos para o projeto que retiraria de
uma vez por todas do "fundo do baú"
caseiro os urgentes trabalhos literários dos parceiros.
"Todo mundo escreve algo e se acha poeta. Fizemos o
lançamento na Casa do Choro e as coisas fugiram ao
controle. Havia os varais de poesia na praça do Carmo
e na praça da República... Saía-mos
com os envelopes debaixo do braço e a edição
era graficamente tímida, até pelos poucos
recursos", conta Eiró, um dos responsáveis
pela produção gráfica da publicação,
simples e direta: se a idéia vinha do Fundo de
Gaveta, nada melhor que um envelope guardando várias
folhas soltas de poesia.
A
receptividade à idéia renderia outra edição,
no ano seguinte, desta vez produzida em off-set com o apoioda
Gráfica Universitária da UFPa. "Preferiu-se
conservar o purismo da idéia. Lembro que havia uma
condição do grupo: que não constasse
nenhum crédito na edição. Era um preciosismo
alternativo", recorda Eiró, admitindo que a
partir da última publicação do grupo,
em 1983, a tendência da produção poética
rumava para o formato "convencional"
de um livro. "era uma questão de avanço
de qualidade, e isto até foi discutido dentro do
grupo. Já tínhamos contato com produções
alternativas do Brasil inteiro. Uns achavam que o envelope
era um sucesso, enquanto outros defendiam o livro como o
melhor formato para a publicação de textos.
Mas não se acabou por causa disto. Da mesma forma
que surgiu, foi desfeito: naturalmente".
Com
a maioria dos integrantes já rumando à aventura
dos quarenta anos - alguns já desfrutam da condição
-, vale conferir algumas trajetórias: o aniversariante
Celso Eluan hoje é dono da Sol Informática,
Jorge Eiró formou-se em arquitetura e é artista
plástica reconhecido, Vasco Cavalcante é Web
Designer, Yru Bezerra é químico farmacêutico,
Zé Minino é Geólogo e Paulo Castro
(William Silva) é jornalista.
Ciber-Fundo-de-Gaveta
"A
idéia de um site na internet surgiu há uma
semana sem objetivos maiores. Ninguém fez planos
de volta do grupo", adianta o poeta Vasco Cavalcante,
40, sobre o site que estará publicando a partir da
próxima semana, uma seleção de trabalhos
representativos dos três volumes do Fundo de Gaveta,
além de recortes de jornais da época e outras
informações.
"Como
todo site ele será atualizado sempre. A idéia
não é ressuscitar o grupo. É abrir
um espaço, talvez, para vários outros trabalhos.
O mundo é outro, nós somos outros, a mídia
é completamente outra. O curioso é a transformação
de uma mídia de mimeógrafo, ultra-romântica,
para o pós-moderno da internet. Estamos brincando
com isto. Esta é a graça. |