Yves Bonnefoy nasceu no dia 24 de junho de 1923, na cidade de Tours, Departamento de Indre-et-Loire, no interior da França, de pai ferroviário e mãe professora primária. Após o curso secundário realizado em sua cidade natal, estudou matemática e filosofia, tendo obtido o baccaloréat em 1941. Depois, na Universidade de Poitiers, e em seguida,a partir de 1943, na Sorbonne, prosseguirá os estudos de matemática superior, história das ciências e filosofia. Adolescente ainda, despertou para a poesia lendo Valéry, mas se apegará particularmente a Baudelaire - sobre o qual fará o mestrado -, Rimbaud e Mallarmé. Em Paris, descobre os poetas e os pintores surrealistas, chegando a freqüentar o grupo de André Breton. Sua passagem pelo Surrealismo está documentada na revista La Révolucion la Nuit, que fundou com alguns amigos. Mantém-se, entretanto, reservado quanto a certas práticas surrealistas e rompe com o grupo em 1947. Desde então, a sua originalidade se afirma definitivamente, e ele será um daqueles inovadores que irão imprimir novos rumos à poesia francesa. Com a publicação, em 1953, da coletânea de poemas intitulada Du Mouvement et de lImmobilité de Douve, primeira de uma série que se vai ampliando durante toda esta segunda metade do século, impôs-se como criador de uma das obras poéticas maiores da França e mesmo creio não ser temerário afirmá-lo - da literatura ocidental. Há que se destacar também, como parte integrante da produção de Yves Bonnefoy, as suas traduções de Shakespeare, Yeats, John Donne e outros, assim como os numerosos ensaios que escreveu sobre literatura, poesia, artes plásticas e outros temas. Também a docência se insere entre as atividades de Yves Bonnefoy: depois de ensinar em várias universidades, na França e no exterior, Yves Bonnefoy foi eleito, em 1981, para o Collège de France, onde lecionou poética até a aposentadoria, em 1993. Mas para melhor entender a gênese da poesia de Yves Bonnefoy, talvez seja necessário voltar a considerar os tempos de sua infância. Costumava então ir passar as férias na casa dos avós, na cidadezinha de Saint-Pierre-Toirac, no vale do Rio Lot, no Quercy. A região, rude e bela, cortada por rios cujas águas límpidas cavam profundas gargantas na rocha calcárea (te Causse), registra a passagem de numerosas e sucessivas culturas: o homem das cavernas deixou ali os seus vestígios em admiráveis pinturas rupestres; a topografia acidentada fez da região um dos últimos baluartes da resistência gaulesa à invasão romana; os romanos, vencedores, fizeram passar por aqueles vales a importante rota que ligava Lião a Bordéus; a Idade Média semeou os vales, as encostas, os cumes de igrejas e castelos-fortes; nas Idades Moderna e Contemporânea registrou-se um declínio de toda a região em benefício de outras, por razões históricas que não cabe aqui esmiuçar, mas essa France profonde manteve-se como um relicário do passado e um celeiro de tradições. Como Yves Bonnefoy nunca dissociou a poesia, a prática da escrita e a reflexão sobre a arte de uma relação com o espaço, íntima e intensamente vivida, essa experiência infrtntil constitui-se no ponto de partida de seu itinerário poético, e vai perpassar toda a sua obra, como uma espécie de mal original de nossa intuição do lugar, conforme ele mesmo afirma. No dizer do crítico Michel ColIot, o poeta propõe-se reencontrar na geografia de sua infância Ie premier arrière-pays [o primeiro país interior], cuja busca as suas primeiras narrativas já relatavam e cujo componente edipiano mal dissimulavam, dividido, desde as origens do pensamento ocidental, entre o Sensível e o Inteligível, a Substância e a Forma, o Conceito e a Finitude, a Gnose e a Encarnação. Bonnefoy diz ler oposto uma à outra, desde a mais tenra idade, duas regiões da França. [...] Minha infância foi marcada - estruturada - por uma dualidade de lugares, dos quais um só me pareceu valer. Já então o ambiente próximo e cotidiano é recusado, em benefício de um vrai lieu, de um paraíso longínquo mas amado com exclusividade. Tours e Toirac; a cidade e o campo; a casa dos pais com suas restrições, limitações e imposições, e a casa dos avós com a amplidão, a liberdade, a natureza, estão na origem de toda a imagética dicotômica desenvolvida pelo poeta, numa busca quase impossível de conciliação e de superação. Mas o sucesso da produção poética de Yves Bonnefoy se deve também à sua extraordinária clarividência, às suas admiráveis faculdades de intuição e ao profundo senso poético que preside a sua vida e à sua produção artística e intelectual, à aguda visão arquitetural e de conjunto, que talvez tenha as suas raízes nos estudos matemáticos e filosóficos a que se dedicou desde a juventude. Assim, Yves Bonnefoy, como diz Jean Starobinski, conhece por experiência o atrativo do pensamento abstrato, a alegria que a mente pode experimentar em construir o edifício dos conceitos e das relações puras. Mas como Bachelard, de quem seguiu os ensinamentos científicos, também ele, depois de exaltar a ascese científica, apaixonou-se pelo que tinha rejeitado: as convicções sonhadoras, a configuração que o desejo dá ao espaço, as virtudes imaginárias que emprestamos à matéria. É por essa convivência entre o pensamento conceptual científico e a narrativa em sonho que se torna difícil, na produção de Bonnefoy, separar o que é poesia do que é ensaio. Comentando concretamente a produção, o surgimento de um de seus próprios textos, ele nos diz: Há dois verões atrás, por exemplo, eu havia escrito um pequenino livro, era então mais um ensaio, e eu ia enviá-lo ao editor; anunciei-lhe que ele iria recebê-lo dentro de poucos dias; só me faltava datilografá-lo. E sentei-me diante da máquina; mas uma palavra, na segunda frase, me desagradou; eu a mudei. Pronto, toda a terceira teve de ser refeita em conseqüência; e de uma frase para a próxima, a coisa foi-se ampliando tanto que muito do primeiro texto se dissipou; ziguezagueou o raio de uma rasgadura, no seio do qual percebi os delineamentos de uma escrita nova, não conceptual desta vez. Assim, por um impulso interno que deságua na escrita, Yves Bonnefoy oscila entre o conceito e o devaneio na produção do texto. (do livro
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