O LAVRADOR
Perdido em pensamentos o
lavrador passeia sob a chuva
por seus campos vazios, mãos
nos bolsos,
na cabeça
a colheita já plantada.
Um vento frio vem encrespar a água
entre as ervas tostadas.
Por toda parte
o mundo rola friorento para longe:
negros pomares
escurecidos pelas nuvens de março -
deixando espaço livre aos pensamentos.
Lá embaixo, além da galharia
rente
ao carreiro encharcado de chuva
assoma a figura artista do
lavrador - compondo
- antagonista
(tradução: José
Paulo Paes)
O POEMA
Tudo está
no som. Uma toada.
Raramente uma canção. Devia
ser uma canção - feita de
minúcias, vespas,
uma genciana - algo
imediato, tesoura
aberta, olhos
de uma dama - despertando
centrífuga, centrípeta.
(tradução: José
Lino Grünewald)
PRELÚDIO AO INVERNO
A mariposa sob as goteiras
com asas como
a casca de um tronco, estende-se
e o amor é uma curiosa
coisa suavemente alada
imóvel sob as goteiras.
(tradução:
José
Lino Grünewald)
O LAMENTO DA VIÚVA
EM PLENA PRIMAVERA
O pesar é o meu quintal
onde a grama nova
flameja como tantas vezes
flamejou antes não porém
com o fogo gélido
que se fecha este ano à minha volta.
Trinta e cinco anos
vivi com meu marido.
A ameixeira hoje está branquinha
de pencas de flores.
Pencas de flores
carregam os galhos de cerejeira
e dão a alguns arbustos cor
amarela e vermelha a outros
mas o pesar dentro de mim
é mais forte que elas ·
pois embora fossem a minha alegria
antigamente, eu hoje as vejo
e Ihes volto as costas deslembrada.
Hoje o meu filho me disse
que para lá dos prados,
na orla da floresta cerrada,
viu à distância
árvores de flores brancas.
Bem que eu gostaria
de ir até lá
para deixar-me tombar sobre essas flores
e afundar no brejo perto delas.
(tradução:
José
Paulo Paes)
MORTE
Ele está morto
o cão não terá mais
de dormir sobre as batatas
dele para evitar
que congelem
está morto
o velho bastardo -
É um bastardo porque
já não há mais nada
de legítimo
nele
está morto
de dar nojo
é
uma velharia
esquecida de Deus sem
nenhum sopro de vida
Não é coisíssima alguma
está morto
pele só
Ponham-lhe a cabeça
numa cadeira e os
pés em outra e ele
ficará ali esticado
feito um acrobata -
O amor batido. Por
ele. Eis por que
é insuportável -
porque
ali jaz carecido
de barbear-se no peito
um uivo estrangulado
de amor e derrota -
Ele saltou para fora
do homem e deixou
o homem se ir embora -
o farsante
Morto
de olhos
revirados no branco
sem luz - um escárnio
que
o amor já não pode tocar -
enterrem-no e escondam-lhe
logo o rosto
de vergonha.
(tradução:
José
Paulo Paes)
AS ÁRVORES BOTTICELLIANAS
O alfabeto das
árvores
vai desmaiando na
canção das folhas
as hastes cortadas
das finas
letras que escreviam
inverno
e frio
foram iluminadas
com
pontas de verde
pela chuva e o sol -
As regras simples
e estritas dos ramos
retos
vão sendo alteradas
por ses de cor
pinçados, por cláusulas
devotas
os sorrisos de amor -
. . . . . . .
até as frases
desnudas
se moverem como braços
e pernas de mulher sob o tecido
e em sigilo o louvor
entoarem do desejo
e do império do amor
no estio -
No estio a canção
canta-se por si
acima das palavras surdas -
(tradução:
José
Paulo Paes)
A DURAÇÃO
Uma folha amarfanhada
de papel pardo mais
ou menos do tamanho
e volume aparente
de um homem ia
devagar rua abaixo
arrastada aos trancos
e barrancos pelo
vento quando
veio um carro e Ihe
passou por cima
deixando-a aplastada
no chão. Mas diferente
de um homem ela se ergueu
de novo e lá se foi
com o vento aos trancos
e barrancos para ser
o mesmo que era antes.
(tradução:
José
Paulo Paes)
OS POBRES
É a anarquia da pobreza
que me encanta, a velha
casa amarela de madeira recortada
em meio às novas casas de tijolo
Ou uma sacada de ferro fundido
com gradis representando ramos
folhudos de carvalho. Isso tudo combina
com as roupas das crianças
que refletem cada período e
estilo da necessidade -
Chaminés, telhados, cercas de
madeira e metal numa época
sem cercas delimitando quase
coisa alguma: o velho
de suéter e chapéu preto
a varrer a calçada -
os seus três metros de calçada
na ventania que inconstante
virou-lhe a esquina para vir
tomar conta da cidade inteira
(tradução:
José
Paulo Paes)
UMA ESPÉCIE DE CANÇÃO
Que a cobra fique à espera sob
suas ervas daninhas
e que a escrita se faça
de palavras, lentas e prontas, rápidas
no ataque, quietas na tocaia,
sem jamais dormir.
- pela metáfora reconciliar
as pessoas e as pedras.
Compor (Idéias
só nas coisas) Inventar!
Saxífraga é a minha flor que fende
as rochas.
(tradução:
José
Paulo Paes)
O DURO CERNE DA BELEZA
O mais esplêndido não é
a beleza, por profunda que seja,
mas a clássica tentativa
de beleza,
em meio ao charco: a
estrada interrompida, abandonada
quando a nova ponte finalmente entrou em uso.
Ali, de ambos os lados de uma entrada
cuja tinta, crestada pelo sol,
começa a descascar -
dois vasos de gerânios.
Pois entre: em uma das paredes,
pintadas numa placa ornamental,
romãs maduras.
- e, ao sair, repare lá
embaixo na estrada - numa unha,
numa unha de polegar se poderia esboçá-lo -
degraus de pedra subindo
pela fachada toda até, no
primeiro andar, um
minúsculo
pórtico
em bico como o palato
de uma criança! Deus nos dê de novo
igual intrepidez.
Há tufos
de roseiras dos dois lados
dessa entrada e ameixeiras
(uma seca) circundadas
na base por carcaças
de pneus velhos! sem outro propósito
senão a glória da Divindade
a qual fez aparecerem
ambos os seus ombros, sustentando
o enlameado lourejar
de suas tranças, acima
das ondas pacientes.
E nós? o vasto mundo inteiro abandonado
sem nenhuma razão, intacto,
o mundo perdido da simetria
e da graça: sacos de carvão
jeitosamente empilhados sob
o telheiro dos fundos, o
fosso bem atrás um passadiço
por entre a lama,
triunfante! ao prazer,
prazer; prazer de barco,
retirada vereda de um domingo
até o livre rio.
(tradução:
José
Paulo Paes)
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