PALAVRAS
Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.
A
seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha
Que
cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro
Essas
palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.
(tradução
de Ana
Cristina César)
ARIEL
Estancamento
no escuro
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.
Leoa
do Senhor como nos unimos
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco
Afunda
e passa, irmão
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.
Sementes
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...
Negro,
doce sangue na boca,
Sombra,
Um outro vôo
Me
arrasta pelo ar...
Coxas, pêlos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.
E
então
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança
Escorre
pela parede.
E eu
Sou a flexa,
O
orvalho que voa,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho
Vermelho,
caldeirão da manhã.
(tradução
de Ana Cândida Perez e Ana
Cristina César)
A
CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS
Encomendei
esta caixa de madeira
Clara, exata, quase um fardo para carregar.
Eu diria que é um ataúde de um anão ou
De um bebê quadrado
Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.
Está
trancada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.
Espio
pela grade.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.
Como
deixá-las sair?
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!
Escuto
esse latim furioso.
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos.
Podem ser devolvidos.
Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona.
Me
pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras,
Anáguas de cerejas.
Poderiam
imediatamente ignorar-me.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso vou libertá-los.
A
caixa é apenas temporária.
(tradução
de Ana Cândida Perez e Ana
Cristina César )
40
GRAUS DE FEBRE
Pura?
Que vem a ser isso?
As línguas do inferno
São baças, baças como as tríplices
Línguas
do apático, gordo Cérbero
Que arqueja junto à entrada. Incapaz
De lamber limpamente
O
febril tendão, o pecado, o pecado.
Crepita a chama.
O indelével aroma
De
espevitada vela!
Amor, amor, escassa a fumaça
Rola de mim como a echarpe de Isadora, e temo
Que
uma das bandas venha a prender-se na roda.
A amarela e morosa fumaça
Faz o seu próprio elemento. Não irá alto
Mas
rolará em redor do globo
A asfixiar o idoso e o humilde,
O frágil
E
delicado bebê no seu berço,
A lívida orquídea
Suspensa do seu jardim suspenso no ar,
Diabólico
leopardo!
A radiação faz que ela embranqueça
E a extingue em uma hora.
Engordurar
os corpos dos adúlteros
Tal qual as cinzas de Hiroshima e corroê-los.
O pecado. O pecado.
Querido,
a noite inteira
Eu passei oscilando, morta, viva, morta, viva.
Os lençóis opressivos como beijos de um devasso.
Três
dias. Três noites.
água de limão, canja
Aguada, enjoa-me.
Sou
por demais pura para ti ou para alguém.
Teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna
Minha
cabeça uma lua
De papel japonês, minha pele de ouro laminado
Infinitamente delicada e infinitamente dispendiosa.
Não
te assombra meu coração. E minha luz.
Eu sou, toda eu, uma enorme camélia
Esbraseada e a ir e vir, em rubros jorros.
Creio
que vou subir,
Creio que posso ir bem alto
As contas de metal ardente voam, e eu, amor, eu
Sou
uma virgem pura
De acetileno
Acompanhada de rosas,
De
beijos, de querubins,
Do que venham a ser essas coisas rosadas.
Não tu, nem ele
Não
ele, nem ele
(Eu toda a dissolver-me, anágua de puta velha)
Ao Paraíso.
(tradução
de Afonso Félix de Souza)
ESPELHO
Sou
prata e exato. Eu não prejulgo.
O que vejo engulo de imediato
Tal qual é, sem me embaçar de amor ou desgosto.
Não sou cruel, tão somente veraz
O olho de um deusinho, de quatro cantos.
O tempo todo reflito sobre a parede em frente.
É rosa, com manchas. Fitei-a tanto
Que a sinto parte de meu coração. Mas vacila.
Faces e escuridão insistem em nos separar.
Agora
sou um lago. Uma mulher se inclina para mim,
Buscando em domínios meus o que realmente é.
Mas logo se volta para aqueles farsantes, o lustre e a lua.
Vejo suas costas e as reflito fielmente.
Ela me paga em choro e agitação de mãos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã sua face reveza com a escuridão.
Em mim afogou uma menina, e em mim uma velha
Salta sobre ela dia após dia como um peixe horrendo.
(tradução
de Vinicius Dantas)
OUTONO
DE RÃ
O
verão envelhece, mãe impiedosa.
Os insetos vão escassos, esquálidos.
Em nossos lares palustres nós apenas
Coaxamos e definhamos.
As
manhas se dissipam em sonolência.
O sol brilha pachorrento
Entre caniços ocos. As moscas não chegam a nós.
O charco nos repugna.
A
geada cobre até aranhas. Obviamente
O deus da plenitude
Está morando longe daqui. Nosso povo rareia
Lamentavelmente.
(tradução
de Jorge Wanderley)
PAPOULAS
DE JULHO
Ó
papoulinhas pequenas flamas do inferno,
Então não fazem mal?
Vocês
vibram. É impossível tocá-las.
Eu ponho as mãos entre as flamas. Nada me queima.
E
me fatiga ficar a olhá-las
Assim vibrantes, enrugadas e rubras, como a pele de uma boca.
Uma
boca sangrando.
Pequenas franjas sangrentas!
Há
vapores que não posso tocar.
Onde estão os narcóticos, as repugnantes cápsulas?
Se
eu pudesse sangrar, ou dormir !
Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida !
Ou
que seus licores filtrem-se em mim, nessa cápsula de vidro,
Entorpecendo e apaziguando.
Mas sem cor. Sem cor alguma.
(
tradução de Afonso Félix de Souza )
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