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NÃO POSSO ESCREVER DE TI
Não que eu seja incapaz por natureza, mas a verdade de ti, tu a escreveste. E porque escrevias para só seres lida morta, porque eu a li, tu morta, e feita minha, esta verdade é a mais forte de todas. Não poderei ultrapassá-la. O que detenho de ti, o que me concerne a mim só, não é da ordem da verdade mas da física : Tocar desde os joelhos até a fronte, gosto de cerveja na língua, perfume nos braços, embaixo, visão e voz, de longe, me queimam : circuitos que não serão obliterados, não por enquanto. Isso é só meu, e com razão. Não escreverei de ti senão minha própria altura. Ou então deito-me e faço sombra.
. ONDE ESTÁS?
O mundo
. 1983 : janeiro ...................... 1985 : junho O registro rítmico da palavra me horripila. Não consigo abrir um só livro que contenha poesia. As horas da tarde devem ser aniquiladas. Quando acordo tudo preto : sempre. Em centenas de manhãs pretas refugiei-me. Leio inofensiva prosa. Os cômodos ficaram no mesmo estado : as cadeiras, as paredes, as venezianas, as roupas, asportas. Fecho as portas como se o silêncio. A luz me ultrapassa pelos ouvidos.
. LUZ, POR EXEMPLO Luz, por exemplo. preto. Vidros. Boca fechada. abrindo-se à língua. Janela. reunião de gizes. Seios. depois embaixo. a mão se aproxima. penetra. Abre Lábios penetrados. de joelhos. Lâmpada, lá. molhada Olhar repleto de tudo.
. RETRATO EM MEDITAÇÃO, V. Tu não retocas, não mudes palavra alguma. Nada de ponto de vista inapreensível quanto ao passado. Sonhos femininos, amarrotados. O que morre, quando se morre? Acuada entre duas páginas confinadas entre o teu sono e o meu. 'Não-contacto' das vestimentas moralizadas. Que diferença, nenhuma, entre amais pretensiosa arte e os pores do sol? a 'poesia' do pôr do sol : de vomitar. As configurações contavam sós. .... (todo o resto foi e ficou branco)
. ESTA FOTOGRAFIA, TUA ÚLTIMA Esta fotografia, tua última, deixei-a na parede, entre as duas janelas, por cima, Da televisão abandonada, e ao entardecer, no golfo de tetos, à esquerda da igreja, quando a luz, Se concentra, que ao mesmo tempo, escorre, em dois estuários oblíquos, e invariáveis, na imagem, Sento-me, nesta cadeira, de onde se vê, ao mesmo tempo, a imagem interior ....a fotografia, em volta, o que ela mostra, Que somente, ao entardecer, coincide, pela direção da luz, com ela, fora isso, que à esquerda, na imagem, olhas, Para o ponto onde me sento, para ver-te, invisível agora, na luz, Da tarde, que pesa, sobre o golfo de tetos entre as duas janelas, e eu, Ausente de teu olhar, que na imagem, fixa, o pensamento dessa imagem, dedicada a isso, nos entardeceres de agora, sem ti, no ponto, Vacilante da dúvida de tudo.
. <<TODAS AS FOTOGRAFIAS SÃO EU>>
Perecíveis, sentimentais, eu mesma perecível Tudo o que se arrisca a perder, dá-lo a ti. vais perdê-lo. Não me assemelharei sempre ao mundo. Fui o mundo, eu também. Semelhante, até a ilusão. Não dissipo a sombra do esquecimento. eu tento brilhar-me Entra, assiste à minha infância interior, no segundo lado do tempo >>
. NESTA LUZ, IV
'não outro' ...............meu amor Sem cor.........dormes..........furiosamente Imagem.........tua única...........pátria Amor..........nada mais do que pura Erra, insiste, subsiste, Tornada A extensão te surpreenderá E minha voz, na verdade, retorna,
. TU ME ESCAPAS
Em toda lembrança se perdem as cores, aqui és clara ou sombria, é tudo com que a minha linguagem pode variar. Interiormente tu me confinas às tuas fotografias. Tuas cores me escapam uma pela outra. como tuas frases. Sestas sépias. Um pedaço de papel branco guarda sua claridade de um céu em que o branco se lavou de cinza, tendo deslizado no sal. esse céu mais luminoso do que o papel. Em um sentido entretanto ele tinha sido mais sombrio. Teu corpo assim. tirando toda luz dos meus olhares. Mas seria correto dizer que minha vista está falhando?
. EM MIM
Não......só.........tua morte.......morta.........estás..............não há nada a dizer............e o que?.........inútil. Inútil o irreal do passado..................tempo inqualificável. Mas tua morte em mim progride........lenta..........incompreensivelmente. Continuo acordando em tua voz..........tua mão.........teu cheiro. Continuo a dizer teu nome........teu nome em mim......como se estivesses. Como se amorte tivesse gelado apenas a ponta de teus dedos apenas tivesse jogado uma camada de silêncio sobre nós..........tivesse parado diante de uma porta. Eu atrás..............incrédulo.
. "ESSE PEDAÇO DE CÉU..."
em que a face cega complicada o sol, ali um vermelho antes que terra tanta ausência que teus olhos de nada
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© copyright by vasco cavalcante