Refazendo o caminho Itabira do Mato Dentro, pequena cidade mineira, conhecida
por seu minério de ferro, se tornaria também famosa como terra natal
do poeta Carlos Drummond de Andrade, nono filho do fazendeiro Carlos
de Paula Andrade e de d. Julieta Augusta Drummond de Andrade. Nascido aos 31 dias do mês de outubro de 1902, o menino
Carlos freqüenta durante quatro anos o Grupo Escolar Dr. Carvalho
Brito. Mas são o solar da rua Municipal, transfigurado pela presença
invisível de seus antepassados, o velho agente de correio, Fernando
Terceiro, a desfilar diariamente por aquela rua, o movimento inusitado
dos dias de júri, a caça aos passarinhos, ou os banhos de bica na
praia do Rosário que marcam a infância do poeta, sem contar a figura
da velha preta, "sá" Maria, devotada à criação de duas gerações
da família, "(...) traindo um secreto carinho, o coração aberto,
numeroso..." Itabira, "Vila de Utopia", conforme lhe chama
Drummond em seu livro de crônicas, Confissões de Minas, modela
o caráter desse menino, levando-o a confessar, mais tarde: "Alguns
anos vivi em Itabira./Principalmente nasci em Itabira./Por isso sou
triste, orgulhoso: de ferro. (...) A vontade de amar, que me paralisa
o trabalho/vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e
sem horizontes./E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,/é doce
herança itabirana". E o menino Carlos é colocado no internato do Colégio Arnaldo,
em Belo Horizonte, onde conhece aqueles que, mais tarde, serão seus
companheiros de atividade política e intelectual e, mais do que isso,
seus amigos: Gustavo Capanema e Afonso Arinos de Mello Franco. Mas
a saúde precária o obriga a abandonar a escola e regressar a sua Vila
de Utopia, onde tem aulas particulares com o professor Emílio Magalhães.
Em 1918, volta aos bancos escolares, freqüentando, como interno, o
Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo (Rio de
Janeiro). Embora se destaque entre os alunos, no final de 1919 é
expulso, depois de um incidente com o professor de Português. Foi
um fato determinante na formação do homem e na carreira do futuro
intelectual: "A saída brusca do colégio teve influência enorme
no desenvolvimento dos meus estudos e de toda a minha vida. Perdi
a Fé. Perdi tempo. E sobretudo perdi a confiança na justiça daqueles
que me julgavam. Mas ganhei vida e fiz alguns amigos inesquecíveis". "Fria Friburgo", dirá o poeta, "Não fico
aqui, (...)/Eu fujo ou não sei não,/mas é tão duro/este infinito espaço
ultrafechado./Esta montanha aqui eu não entendo./Estas caras não são
caras de gente." Nasce o Escritor É o jornalista, ainda aluno do segundo ano ginasial; no
Colégio dos Jesuítas, quem primeiro se revela ao público, com suas
contribuições para o jornal escolar Aurora Colegial. De fato,
são ainda simples redações escolares, marcadas, talvez, pelo forte
desejo daquele jovem de, um dia, vir a ser escritor. Graças à iniciativa de seu irmão, Altivo, o poeta vem a
público, intrometendo-se no caminho do jornalista iniciante: em maio
de 1918, a revista Maio, de Itabira, publica, à revelia do
autor, o poema em prosa, "Onda". Assina-o "Wimpl". Mas é o ficcionista quem receberá seu primeiro prêmio,
merecido pelo conto "Joaquim do Telhado", publicado na Novella
Mineira, de Belo Horizonte, no número de setembro-outubro de 1922. A esta altura, vendida a casa da rua Municipal, a família
já fixou residência em Belo Horizonte. E o cronista, paralelamente
ao poeta, começa, de fato, sua carreira, fornecendo colaborações regulares
para o Diário de Minas, de Belo Horizonte, e para as revistas
IIlustração Brasileira e Para Todos..., do Rio de Janeiro. Falando dos amigos e de sua vida desta época, este mesmo
cronista relata: Éramos cinco ou seis poetas, e todas as noites
tomávamos cerveja ou média no Café Estrela, um café que não existe
mais, numa cidade que não existe mais. "Um dia, apareceu na Faculdade de Direito um calouro
que tinha opinião diferente das oficiais; era o Martins de Almeida;
de Juiz de Fora, veio um rapaz - era o Nava. De Dores do Indaiá, veio
o pernalta Emílio; de Mariana, João Alphonsus; e outros de outras
terras. Essa gente se farejou e se identificou logo. Então tomamos
de assalto o Diário de Minas, gravíssimo órgão do Partido Republicano
Mineiro, o partido que dominava a política estadual e dava as cartas
no Brasil. Seus chefes não tomavam de literatura e não liam o jornal.
Deixaram que nos esbaldássemos em artigos, poesias, entrevistas, polêmicas,
concursos literários, piadas e o mais. Só uma coisa o governo não
admitia: que publicássemos caricaturas no Diário. Por causa
de uma que saiu lá, fui repreendido pelo presidente do Estado". Em 1923, o estudante retoma suas atividades, prestando
vestibular e matriculando-se na Escola de Odontologia e Farmácia de
Belo Horizonte. Enquanto isso, o jovem poeta se modela: através das
cartas que escreve a Manuel Bandeira; ou do contato com Blaise Cendrars,
Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, quando estes,
via Belo Horizonte, regressavam de sua excursão às cidades históricas;
e, principalmente, através da amizade que, então, estabelece com Mário,
alimentada depois por correspondência de anos. Testemunha o próprio
Drummond: As cartas de Mário de Andrade ficaram sendo o acontecimento
mais formidável de nossa vida intelectual belohorizontina. Depois
de recebê-las, ficávamos diferentes do que éramos antes. "E diferentes no sentido de mais lúcidos. Quase sempre
ele nos matava ilusões, e a morte era tão completa que só podia deixar-nos
ofendidos e infelizes. Então reagíamos com injustiças, tolices, o
que viesse de momento ao coração envinagrado. Mário recebia essas
tolices, mostrava que eram simplesmente tolices, e ficávamos mais
amigos... "Porque a amizade se formou numa base de literatura, e devia nutrir-se dela, até que fossem chegando outros motivos de interesse e abandono, certas confidências difíceis, pedidos de conselho. Isto que nas relações comuns só o conhecimento pessoal e o trato diário costumam permitir, o conhecimento postal e literário suscitara imprevistamente e era mesmo uma festa receber carta de Mário (...):" Forja-se o homem A fermentação modernista, que caracteriza a vida da intelectualidade
brasileira dos anos 20, chega, igualmente, às terras mineiras. Em
1925, Drummond de Andrade funda, juntamente com Martins de Almeida,
Emílio Moura e Gregoriano Canedo, A Revista, órgão modernista
de que saem três números e onde o grupo mineiro pretende e propõe
a reformulação dos padrões estético-literários brasileiros. Nesse mesmo ano, o poeta casa-se com d. Dolores Dutra de
Morais e conclui o curso de Farmácia. Contudo, desinteressado da profissão
de farmacêutico, inadaptado à vida de fazendeiro, leciona Português
e Geografia no Ginásio Sul-Americano de Itabira. Mas não é ainda a carreira do magistério que o atrai. Por
iniciativa de Alberto Campos, Drummond volta a Belo Horizonte, para
ocupar o cargo de redator e, logo em seguida, o de redator-chefe do
Diário de Minas. Itabira se tornaria, agora, apenas lembrança
". . . uma fotografia na parede. /Mas como dói!" Vive, então, a alegria da paternidade misturada à dor.
Seu primeiro filho, Carlos Flávio, morre momentos após o nascimento,
levando o poeta a assinalar anos depois: "Interrogo meu filho,/objeto
de ar:/em que gruta ou concha/quedas abstrato?" Em 1928, nasce sua filha, Maria Julieta; é ainda neste
mesmo ano que o poeta se torna pedra de escândalo", quando
a Revista Antropofagia, de São Paulo, publica, em julho, seu
poema "No Meio do Caminho". Diz o cronista, falando do poeta:
"(...) sou o autor confesso de certo poema, insignificante em
si, mas que a partir de 1928 vem escandalizando meu tempo, e serve
até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias mentais(...)" E, enquanto se forja o homem, o burocrata inicia sua carreira
junto à Secretaria da Educação de seu Estado. A partir daqui, o poeta,
o jornalista e o servidor público dividirão seu tempo em múltiplas
atividades. O homem de jornal passa a ocupar espaço constante no Minas
Gerais, de Belo Horizonte, para onde se transferiu em fins de
1929. É, primeiramente, auxiliar de redação, tornando-se, em seguida,
redator e cronista do jornal. Sob o pseudônimo de Antônio Crispim,
cuida do cotidiano da capital mineira, durante quase três anos. Em 1930, o poeta lança sua primeira obra: Alguma Poesia,
cuja edição é facilitada pela Imprensa Oficial do Estado. Por sua
vez, irrompida a revolução de outubro, o funcionário público é chamado
a exercer as funções de auxiliar de gabinete da Secretaria do Interior
de Minas e, posteriormente, a de oficial de gabinete de seu amigo
Gustavo Capanema, na mesma pasta. A atuação do jornalista prossegue. Às atividades do Minas
Gerais, somam-se as de A Tribuna, Estado de Minas,
Diário da Tarde. Destes periódicos belo-horizontinos, o cronista
extrairá, em 1944, material para suas Confissões de Minas.
E o poeta vem a público pela segunda vez, com Brejo das Almas.
Corre o ano de 1934. Gustavo Capanema, novo ministro da Educação e
Saúde Pública, traz consigo para o Rio de Janeiro, como seu chefe
de gabinete, Carlos Drummond de Andrade. Maturidade No Rio, o homem de jornal também continua suas atividades.
Colabora, primeiro, na Revista Acadêmica, de ex-estudantes
cariocas, e, alternadamente, nos periódicos Correio da Manhã,
Folha Carioca, revista Euclydes, A Manhã, Leitura,
Tribuna Popular, Política e Letras, voltando a freqüentar
as páginas do Minas Gerais, no final dos anos 40. Mas é o poeta quem inaugura esta década, com a publicação
de Sentimento do Mundo. Firma-se, então, disposto a fazer de
seus versos a síntese entre o próprio eu e o mundo, consciente de
que não considera "honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje
por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro, ou momentânea tomada de contato
com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos
e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e da ação. Até
os poetas se armam e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de
inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos ". Com Poesias, surgido em 1942, obtém, pela primeira
vez, uma editora, a José Olympio, para custear a publicação de seus
livros. Seguem-se A Rosa do Povo, em 1945, e Poesia até
Agora, em 1948. Enquanto isso, o servidor deixa a chefia do gabinete de
Capanema e, a convite de Rodrigo Melo F de Andrade, passa a trabalhar
na chefia da Seção de História da Diretoria do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional. Por sua vez, o intelectual empenha-se na campanha
pela anistia, em 1945; e, em 1949, pela escolha de uma direção apolítica
na Associação Brasileira de Escritores. Pacato e sedentário, isto não o impede de ir a Buenos Aires,
onde sua filha reside, desde que se casou com o escritor e advogado
argentino, Manuel Grana Etcheverry. É o nascimento de seus netos que
o faz deslocar-se. Estamos nos anos 50. No início da década, o ficcionista
faz sua estréia: surgem os Contos de Aprendiz. O poeta, já
conhecido no âmbito das letras nacionais, publica ainda Claro Enigma
e A Mesa, em 1951; Viola de Bolso, em 1952; Fazendeiro
do Ar & Poesia até Agora, em 1954; Viola de Bolso Novamente
Encordoada, em 1955; 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, em
1956; e Poemas, em 1959. Paralelamente, o cronista, como hoje o conhecemos, vai
se impor dentro do caminho em que a crônica se afirma e se torna notável,
contribuindo para a importância que o gênero adquire no âmbito da
imprensa e da literatura. Passeios na Ilha, seu segundo volume de crônicas,
aparece em 1952, um ano antes de o jornalista exonerar-se do cargo
de redator do Minas Gerais, uma vez que vê estabilizar-se sua
situação como funcionário público federal. Em 1954, o jornalista Drummond inicia sua coluna "Imagens",
no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, que viverá até 1969
e donde sairão as crônicas que compõem Fala, Amendoeira (1957). E é também a década de 50 que vê surgir o cronista-poeta,
ou o poeta-cronista, cujos textos vão compor depois Versiprosa
e Versiprosa II. O aposentado trabalha Aposentado em 1962, o funcionário encerra suas atividades
burocráticas, mas prosseguem as literárias e as do intelectual-jornalista.
A aposentadoria traz para o poeta e para o cronista a ocasião de se
recolher à sala de trabalho de sua residência, de onde continua a
observar, analisar, discorrer e dialogar com o mundo que o cerca,
sem perder a lucidez e a propriedade que caracterizam suas obras até
então. É assim que os anos 60/70 ratificam a força expressiva
do poeta e sua aceitação perante público e críticos. Surgem nesta
década: Lição de Coisas, Antologia Poética, Obra
Completa, em edição Aguilar, José & Outros, Boitempo
&' A Falta que Ama, Reunião. E o cronista colabora ainda nas revistas cariocas Mundo
Ilustrado e Pulso, transferindo-se, em fins de 1969, do
Correio da Manhã para o , Jornal do Brasil, do Rio de
Janeiro, onde continuou publicando suas crônicas. Dessas colaborações
regulares nascerão as sucessivas obras em prosa: A Bolsa &
A Vida, Cadeira de Balanço, Caminhos de João Brandão,
O Poder Ultrajovem, De Notícias & Não-Notícias Faz-se
a Crônica e Os Dias Lindos. E o poeta, cuja obra já foi traduzida em diversos países,
a quem já tinham sido concedidos os prêmios Conjunto de Obra, em 1946,
Fernando Chinaglia e Luísa Cláudia de Sousa, em 1963, recebe, em 1975,
o Walinap. É que ainda não cessou sua participação na vida e sua luta
pelos ideais do tempo presente, manifestas em As Impurezas do Branco,
Discurso de Primavera & Algumas Sombras e em O Marginal
Clorindo Gato, ou A Visita; e também do tempo passado,
através das lembranças lírico-subjetivas de sua infância e juventude,
revividas em Boitempo & A Falta que Ama e, agora, prolongadas
em Menino Antigo e Esquecer para Lembrar. É a celebração de sua Vila de Utopia que ressurge, espontânea
e clara, reforçando as palavras do cronista: "(...) fui itabirano,
gente que quase não fala bem de sua terra, embora proíba expressamente
aos outros falarem mal dela. Maneira indireta e disfarçada de querer
bem, legítima como todas as maneiras. E, afinal, eu nunca poderia
dizer se culpo ou se agradeço a Itabira pela tristeza que destilou
no meu ser, tristeza minha, que não copiei, não furtei... que põe
na rispidez da minha linha de Andrade o desvio flexível do traço materno". Em face da morte Conscientemente, assim se expressa o poeta, em 1980, quando
lança A Paixão Medida. Nesse mesmo ano, Brasil e além-Brasil
o homem de jornal e o homem de letras vêem, mais uma vez, suas atividades
gratificadas. Aqui, conferem-lhe o prêmio Estácio de Sá, de jornalismo;
por sua vez, Portugal outorga-lhe o prêmio de poesia Morgado Mateus. Um ano antes, Drummond sofre o primeiro abalo com a doença
da filha, o que o arranca de seus hábitos, conduzindo-o até Buenos
Aires por uma semana. Desenha-se o câncer que arrebatará Maria Julieta,
em 1987. Porém, ainda estamos no início da década de 80, os maus
presságios parecem cessar. 1982 é tempo de bonança. Maria Julieta,
recuperada, vem habitar o Rio de Janeiro, acompanhando de perto a
atividade do pai. Aparecem os Contos Plausíveis, as charges
de O Pipoqueiro da Esquina (em colaboração com Ziraldo), as
cartas anotadas de Mário de Andrade a Drummond, em A Lição do Amigo.
Sempre tão avesso às entrevistas, o "urso polar" sai de
sua toca e participa ativamente da série de homenagens comemorativas
de seus 80 anos. Somam-se entrevistas, na imprensa escrita e televisiva,
reportagens, exposições... A partir daí, o poeta oscila entre o retraimento e a publicidade.
Em 1983, recusa o troféu Juca Pato, pretextando debilidade física
e emocional. Ao mesmo tempo, sob sua organização, vem à luz Nova
Reunião - 19 Livros de Poesia, onde se encontram, praticamente,
43 anos de atividade poética. É sua derradeira publicação pela Editora
José Olympio, casa sob a qual o escritor se abrigou durante 41 anos. Em 1984, Drummond assina contrato de exclusividade com
a Editora Record e, novamente, se expande em longas entrevistas. Ou
para falar das obras lançadas pela nova editora Boca de Luar
(que também reúne crônicas do Jornal do Brasil) e o livro de
poemas Corpo; ou para tecer considerações em torno do erotismo,
"condição essencial à natureza humana"; ou, também, para
rever sua atuação como homem público e avaliar o momento político
atual. Tamanho entusiasmo não o impede, porém, de perceber que é chegada
a hora de interromper suas funções jornalísticas. Em fins de setembro,
Drummond estampa sua última crônica no, Jornal do Brasil. Em "Ciao", o cronista, rememorando seu fascínio
pela imprensa desde há 64 anos, chamando-se "velho jornalista",
conclui: "E é por admitir esta noção de velho, consciente e alegremente,
que ele hoje se despede da crônica, sem se despedir do gosto de manejar
a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é a sua doença
vital, já agora sem periodicidade e com suave preguiça. Cede espaço
aos mais novos e vai cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário". Ainda não é o fim. Embora a saúde da filha volte a preocupá-lo,
embora o desaparecimento trágico do amigo de anos, Pedro Nava, o atinja
profundamente, o escritor permanece vivo. Em 1985, Drummond publica
o livro de poemas Amar se Aprende Amando, o diário O Observador
no Escritório, a antologia Amor, Sinal Estranho e, com
ilustrações de Ziraldo, o livro de literatura infantil, História
de Dois Amores. Em 1986, o cronista radiofônico revive parte das
primitivas confissões no rádio, com Tempo, Vida, Poesia. Despertam, então, os primeiros sinais de um coração enfraquecido.
No final desse mesmo ano, Drummond é internado devido a uma insuficiência
cardíaca. Refaz-se, logo em seguida, voltando, no entanto, à antiga
postura de retraimento e privacidade. A contragosto, concede, em fins
de julho de 1987, sua derradeira entrevista. Nessa oportunidade, expres9sse,
mais uma vez, o poeta cético diante do mundo, diante de si, diante,
inclusive, da própria obra. O poeta que sempre se insurgiu contra
o fato de ser considerado o maior poeta vivo do Brasil. "Minha
poesia é cheia de imperfeições", declara. E continua: "Se
eu fosse crítico, apontaria muitos defeitos. Não vou apontar. Deixo
para os outros. Minha obra é pública". 5 de agosto. Chega ao fim a lenta agonia da filha Maria
Julieta. E, aos 17 de agosto, às vésperas dos 85 anos, por insuficiência
cárdio-respiratória, é Carlos Drummond de Andrade quem deixa a cena.
Restam, inéditas, três obras, que espelham a diversidade de sua carreira:
O Amor Natural (poemas eróticos), O Avesso das Coisas
(aforismas) e Moça Deitada na Cama (crônicas). A simplicidade com que, a seu pedido, é sepultado no Cemitério
São João Batista, do Rio de Janeiro, vem reiterar o que, quase 40
anos antes, o poeta registrara, em relação a si. Injusta, mas magistralmente,
a nível composicional, julgando-se e à própria produção, assim ele
nos fazia o seu "Legado": "Que lembrança darei ao país
que me deu / tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? / Na noite
do sem-fim, breve o tempo esqueceu / minha incerta medalha, e a meu
nome se ri. (...) De tudo quanto foi meu passo caprichoso / na vida,
restará, pois o resto se esfuma, / uma pedra que havia no meio do
caminho". Rita de Cássia Barbosa, |