"Nowhere Man", mista sobre madeira 90x137cm

A exposição "Cartografias", produção individual de pinturas do artista plástico Jorge Eiró, é resultado de uma abordagem temática sobre o universo dos mapas como representação gráfica de um lugar. Ao mesmo tempo (e espaço), a proposta estabelece relações entre as potencialidades plásticas da pintura e os recursos expressivos da tecnologia gráfica, adotadas pelo autor como suporte para investigações e experimentações no campo de sua poética visual. Tal recurso abrange um arco temporal que remonta às cartografias utilizadas à época das grandes navegações empreendidas nos séculos XV e XVI na descoberta dos Novus Mundus, transcorrendo até nossos dias. Estes mapas, de uma cartografia do imaginário do artista, reconfigurados através de procedimentos contemporâneos, refletem conceitos globalizantes, a partir dos quais o homem do 3o Milênio atua em busca de novos sítios/sites, tais como espaços virtuais, universos paralelos, paraísos artificiais e Não-Lugares, desenhando territórios possíveis para uma nova utopia.

Cartografia. [ de carto + grafia ] S.f. 1. Arte ou ciência de compor cartas geográficas. 2. Tratado sobre mapas

"Atlântida Atalaia - Nostagia da Palavra", mista sobre madeira 137x90cm

 

Um lugar... Onde? - Algum lugar.
"O Paraíso". Um Paraíso Perdido [Milton]. Um Aleph [Borges].
O descobrimento de um país
. "Pindorama". "Terra Lettera". Carta de Caminha.
Uma região sonhada. Um sítio utópico. O
"Eldorado".
Uma bela cidade. Belém, Veneza. "Beleza" - "InterLands".
Ou As Cidades Invisíveis [Calvino], Where the Streets Have no Name [U2].

"Paraíso Perdido", mista sobre madeira 184x50cm

A obsessão por um lugar traduz a aventura humana à procura de um ser, de um estar, através de uma Vereda de Caminhos Bifurcados [Borges]
"Cartografias do Imaginário". As diversas (e infinitas) conexões entre espaços e tempos reais e virtuais de um mapa desenhado por um cego vagando perdido entre os labirintos espelhados de sua biblioteca de Babel.

Wish you were here [Pink Floyd]. Onde? "Aqui!" - Aqui estou, portanto. , em Os Incêndios [Age de Carvalho] ou
Aqui/Agora = Now/Here ou Nowhere Man ? [Gerald Thomas]
"EX" / "Exílio", em "As Fortalezas da Solidão" [Eco/Eiró] de "A Ilha do Dia Anterior" [Eco/Eiró].
Uma viagem `A Ilha Desconhecida [Saramago/Eiró].

"Matrix Trópicos", mista sobre madeira 137x90cm

"Anjos sobre Belém" [Wenders/Eiró]. Até o Fim-do-Mundo [Wenders/U2]. .Far Away, So Close [Wenders/U2]:
... With sattelite television you can go anywhere : Miami, New Orleans, London, Belfast and Berlim (Belém, back home).
Stay!... Bono Vox canta aos quatro cantos do mundo.
"Belém x Berlim". Um anjo pop caído na "Divina Academia Decadência" das cidades que não têm nome.
As an angel hits the ground beneath her feet [Salman Rushdie/U2] ou, como um anjo despenca sobre o chão que ela pisa.
Das 1001 Noites [Sherazade]. Nas 1001 Aldeias [João Bosco].

Por mais distante, o errante navegante, quem jamais te esqueceria? Terra [Caetano].

Jorge Eiró
janeiro de 2001 (o que seria o ano da odisséia)

 

P.S. - "Títulos em Negrito Vermelho" - âncoras com obras produzidas pelo artista.
- Títulos em Negrito Itálico Azul - referências a obras de outros autores.

"GyPSy - Polyglot Puzzle", mista sobre madeira 184x50cm

 
A Chamou-a Utopia, palavra grega cujo significado é
não existe tal lugar .

[ Quevedo, século XVII ]

É um jogo. De espelhos. Os mapas, objetos de admiração e sonho, cheios de minúcias e de fantasias sobre lugares a serem alcançados. Mapas de um desenho que é técnica e é arte num tempo em que arte e técnica não se distinguem. Os espelhos refletem, no entanto, o inverso. O não- lugar, o que não existe, a Utopia.

É neste território indefinido entre a precisão do lugar e o lugar inexistente que se situa o trabalho mais recente de Jorge Eiró. O suporte das obras é o mapa, nos desenhos do século XVIII, a memória mais remota da cidade, traçada com instrumentos precisos que perderam-se no tempo mas cujo brilho e desenho ainda nos fascinam. Escolher Belém como ponto de partida é tentar reunir o que a Amazônia representava para o europeu no ato de ser cartógrafo de um Novo Mundo, à busca de mapas íntimos e pessoais que só o lugar ao qual pertencemos nos dá.

O mapa do século XVIII, o Século das Luzes, da exatidão, já não é mais o do Paraíso/Inferno a ser descoberto. Já não contém monstros e índios canibais, aves e animais exóticos, como aparecem nos desenhos de séculos anteriores, também usados por Eiró. A exatidão dos desenhos desse século iluminado, quando Belém começa a existir enquanto representação de si mesma, não exclui a beleza mas já reprime a fantasia. Os mapas são técnica e são também arte, ainda que essencialmente a arte de representar uma imagem a ser divulgada junto ao conquistador. Como escreve, em ensaio recente, Alberto Tassinari, no mundo antigo não se separa a arte da técnica, é só no Renascimento que começa a se estabelecer o que se tornaria, nos nossos dias em especial, uma distinção radical entre arte e técnica "pois a arte deixou de ser sinônimo de técnica e o belo deixou de ser tema por excelência da arte". Ainda segundo Tassinari, é no século XVIII que a distinção iria possibilitar uma diferença entre artes e belas-artes que se acentua nos períodos seguintes: "O aprofundamento da diferença nos tempos atuais terminou por separar o mecânico, ou mais modernamente o tecnológico, do liberal, ou também modernamente, do que não sendo sequer belo passou a ser compreendido como artístico".

O mapa é buscado por Jorge Eiró enquanto ponto de ruptura e é nesse suporte de técnica e de um fazer artístico que não se pensa como tal, que Eiró insere a contemporaneidade de seus últimos trabalhos. Reelaborando, deconstruindo os mapas ele vai diluindo a representação gráfica do lugar até transformá-lo na sua própria negação, o não-lugar, o território do imaginário, a Utopia da qual nos fala Quevedo. Nessa deconstrução entram seus percursos pessoais, e não por acaso em um dos quadros está a mão do artista impressa sobre a tela, mapa de seu corpo e de sua poética. Ao mesmo tempo que destrói e anula os signos do passado vai-se delineando, na obra de Eiró, o desenho dos lugares impossíveis, dos Paraísos Perdidos. Entram fragmentos de memórias e objetos do cotidiano, em percursos que aproximam o que foi sendo separado, a arte da tecnologia. É emblemático, neste sentido, o uso de um levantamento aerofotogramétrico visto como negação do mapa, como extremo da precisão tecnológica, transformando-o da mesma forma que aos mapas antigos, num não-lugar.

O conceito da obra apresentada não é o de colagem, como poderia parecer em se tratando de um fazer artístico que deconstrói construindo, acrescentando. O conceito ou o status da obra é fundamentalmente o de pintura, é ela que se sobrepõe a todos os outros procedimentos. Como se insere então o suporte dos mapas dentro de um fazer artístico no qual predomina a pintura? Talvez se possa pedir o empréstimo de uma definição de Tassinari ao analisar a obra de Anselm Kiefer "A Via Láctea" (1987), "à primeira vista, uma paisagem", diz o autor citado, mas é em síntese "uma pintura que é um agregado de intervenções sobre o plano de uma pintura que também mostra uma paisagem", completando em seguida "... É mais uma nostalgia da paisagem naturalista com seus horizontes outrora longínquos que a pintura [... ] comunica".

Não estamos analisando, portanto, no caso de Jorge Eiró, uma pintura de mapas, reais ou imaginários, ou de uma colagem, estabelecida em função dos elementos agregados. Estamos diante de uma nostalgia da imagem dos mapas, e é a inserção do mapa/técnica com a paisagem/pintura que promove a comunicação entre o antigo e o novo, entre a lembrança do passado e a espacialidade contemporânea.

Os procedimentos tecnológicos de transformação dos mapas estão inseridos em propostas globalizantes com as quais o homem do 3o milênio se defronta na busca de novos sítios - "sítios/sites, tais como espaços virtuais, universos paralelos, paraísos artificiais e não lugares", diz Eiró em sua apresentação da própria obra. A lembrança do passado é, no entanto, um dos fios condutores deste trabalho e o seu diferencial, como já o foi em outros do mesmo artista. A relação reelaborada entre a nostalgia da imagem e sua negação lhe confere a contemporaneidade que o autor tem perseguido ao longo de sua trajetória pessoal como pintor.

A relação entre a precisão do lugar e o lugar inexistente, é a questão de fundo, a que perpassa todas as obras desta exposição de Eiró. O mapa é a precisão do lugar que se revela, no entanto, um lugar inexistente porque só existe enquanto criação, imaginação de quem o concebeu. Tomas More (1516) disse que o espaço de harmonia entre os planos humanos e o projeto divino não pode ser criado, por isso dá o título à sua obra de "Utopia", o lugar que não existe. O Renascimento volta a se perguntar como os homens podem se organizar ou ordenar seu espaço, de forma a obter esta harmonia. Esta procura faz surgir os projetos renascentistas de cidades ideais. Carlos Fuentes, em sua análise da conquista americana no livro "El Espejo Enterrado", retoma a questão e diz que a pronta resposta que a imaginação européia deu ao problema foi: "Agora sim, existe tal lugar. Ele se chama América". Estas seriam as terras da Utopia, o tempo feliz do homem natural, diz Fuentes.

O círculo se fecha, o espelho reflete o nada. A precisão dos mapas, que tanto nos fascina, inventa lugares que se perderam antes de serem achados. Não há riquezas, nem bons selvagens, apenas a humana realidade. A América, a Amazônia, são invenções de perfeição que tentamos inutilmente alcançar. A nostalgia do passado a que se refere a pintura de Eiró é a de um passado perdido, de um paraíso perdido. Jorge Luiz Borges, em um de seus últimos livros, "Os Conjurados" (1985), escreveu "... sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que estas perdas, agora, são o que é meu. ...Só o que morreu é nosso, só é nosso o que perdemos ... Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos."

Essa noção de perda que é posse, dessa apropriação interminável do que vamos perdendo, é que permeia os quinze trabalhos que estão sendo apresentados em cores brilhantes e solares que interagem no espaço expositivo, carregado de signos e significantes como o espelho que recobre as colunas de sustentação e as transforma em um não-lugar, pois o espelho reflete a todos objetos, ou lugares, mas não pertence a nenhum.

Há nos trabalhos apresentados, também, a inevitável comparação dos mitos paradisíacos do período dos descobrimentos com os mitos de supremacia tecnológica que dominam os nossos tempos. À expectativa de um paraíso terrestre localizado, precisamente, em mapas e detalhado na imaginação dos relatos escritos, segue-se a expectativa de uma nova realidade, transformada pela tecnologia no paraíso sempre perseguido mas jamais alcançado pelo homem. Talvez tenhamos apenas que aceitar o que disse Borges:

Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos.
[ Borges, 1985 ]

Jussara Derenji *
2002, Belém do Pará.

 

* Jussara Derenji
Rio Grande, RS. 1945.

Arquiteta, 1969 e Urbanista, 1972, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em História, PUC RS, 1992.
Professora da Universidade Federal do Pará, 1980 a 1995. Professora de Pós Graduação na UNAMA, 2000.
Atua na área de Patrimônio Histórico, tendo sido Diretora de Patrimônio do Município de Belém, de 1993 a 1997.
Membro do ICOMOS, International Council on Monuments and Sites, sede em Paris, para Icomos Brasil.
Membro do CEDODAL, Centro de Documentación de Arquitetura Latino Americana, sede em Buenos Aires, sócia fundadora.
Sócia eleita do Instituto Histórico Geográfico do Pará, 1997.
Pesquisadora em urbanismo, arquitetura e artes nortistas, tem livros publicados nessas áreas de conhecimento, assim como tem publicadas comunicações e participações em congressos e simpósios nacionais e internacionais, além de artigos em revistas especializadas.
Membro da Câmara de Produção Cultural da Associação Comercial do Pará, desde1999, fez parte, presidindo-a, da Comissão da Lei Tó Teixeira, Lei Municipal de Belém de Incentivos à Cultura, em 2000.
Atualmente é pesquisadora e curadora independente, tendo exercido a função de Curadora da Mostra "Cúmplices", na Galeria de Arte da Unama, e do 19o. Salão Arte Pará, no Museu do Estado do Pará, em 2000.

"Açaizeiros fields forever - Jussarateua", mista sobre madeira 90x90cm
"Açaizeiros fields forever - Jussarateua"
mista sobre madeira 90x90cm

"Mapa da Mina - Karajazzidas", mista sobre madeira 90x90cm
"Mapa da Mina - Karajazzidas"
mista sobre madeira 90x90cm

   

O rio que eu sou "O rio que eu sou eu não sei ou me perdi", mista sobre madeira 90x90cm
"O rio que eu sou eu não sei ou me perdi"
sobre poema do Max Martins
mista sobre madeira 90x90cm

"Mapa Astral - Azulejos a Varejo", mista sobre madeira 90x90
"Mapa Astral - Azulejos a Varejo
mista sobre madeira 90x90cm

   

JORGE LEAL EIRÓ DA SILVA


JORGE LEAL EIRÓ DA SILVA

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