por Maria Christina
A história da fotografia paraense se confunde com o próprio advento da fotografia no mundo. Pouco mais de duas décadas depois de captada a primeira imagem por um heliógrafo, nos idos de 1820, por Nicéphore Niépce, já havia quem fizesse registros fotográficos em Belém, cidade de grande afluência de todas as novidades do Velho Mundo, com uma economia crescente, que teve seu auge no ciclo da borracha, atraente de condições para o desenvolvimento das atividades que aqui viessem se estabelecer.
O advento oficial da fotografia data de 1839. Daguerre fixa em 1837 numa placa de metal uma imagem em positivo, isto é, uma imagem única, independente de um suporte como a conhecemos no negativo; os seguidores e continuadores desse processo foram chamados daguerreotipistas. O termo photographia data do mesmo ano e existem controvérsias sobre seu criador: o inglês Jonh Herschel o teria usado cinco anos depois de Hercule Florence, desenhista francês radicado no Brasil, que já em 1832 experimentara uma forma de impressão através da luz.
Inaugurando uma nova ética do "ver", um novo código visual, a fotografia veio pra ficar, revolucionando todo o entorno, obrigando outras formas de expressão a repensar o próprio processo em função da novidade, ainda cheia de mistérios, mas determinante na formação de novos conceitos sobre a imagem, porque ampliou o conceito do que "valia a pena olhar" e o que efetivamente podia-se observar.
Segundo alguns poucos e primários registros locais, o primeiro fotógrafo a chegar na Amazônia, atraído pelo exotismo da região, foi Charles Fredricks, em 1844. Depois de uma passagem conturbada, retornou em 1846 e inaugurou o 1º estúdio fotográfico, dando início a uma prática que veio confrontar o medo diante do novo, porque se supunha que aquele invento "roubava-lhes a alma". Sem sucesso, permaneceu apenas três meses na cidade onde oferecia "em superior grau de perfeição (...) uma semelhança de seu original (...) por módicos preços".
Em 1867 chega a Belém o fotógrafo português Felipe Augusto Fidanza para registrar a Abertura dos Portos da Amazônia ao Comércio Exterior, e aqui se estabeleceu tornando-se um dos maiores nomes da fotografia paraense, abrindo o Photo Fidanza, maior referência na cidade, que se manteve por aproximadamente 100 anos sobressaindo-se em qualidade e solidez, não obstante os outros estabelecimentos de igual porte que já existiam no final do século, como o Photo Oliveira, inaugurado em 188.
A trajetória da fotografia no Pará é peculiar quando se pensa nas enormes distâncias a serem percorridas, tanto para que aqui chegassem as informações, como para as pessoas que eram (e são) atraídas pela região, que desde sempre ocupou um lugar de destaque no imaginário popular. Mas as próprias características regionais, pelo mistério ainda indecifrado, a arquitetura remanescente do ciclo da borracha, cheia de fausto e encanto, ou o estilo de vida reproduzindo o modelo europeu, formou um olhar agudo, sensível e comprometido com a contemporaneidade, independentemente da época a que nos reportarmos.
Poder-se-ia fazer paralelo da fotografia de Walda Marques e a das Irmãs Oliveira: o estilo rebuscado, utilizando recursos de paisagens criadas em estúdio. Cada qual guarda no conceito as tendências do seu tempo, mas com o olhar profético e amplo sobre o entorno, sem perder a personalidade, contudo. Daí percebe-se que criar paralelos resulta em uma investigação mais minuciosa do agente e, chega-se a distâncias imensuráveis.
Com a chegada de Miguel Chikaoka, na década de 1980, e a criação do ateliê FotoAtiva, a fotografia paraense tomou novos rumos: deixou de ser uma prática já corriqueira, mas invulgar quando realizada nas experimentações de Gratuliano Bibas, no fotojornalismo pontual e diferenciado de Porfírio da Rocha e Pedro Pinto, dentre outros que compõem uma galeria extensa de nomes que enriquecem a nossa história visual, sobressaindo os retratos e registros externos de Luiz Braga, anterior à chegada de Chikaoka e que participou e colaborou na formação desse novo núcleo de difusão, que começou a exigir nas entrelinhas uma nova forma de aprender fotografia, o pensar fotográfico, e (re)inaugurou um aprendizado a partir da percepção do todo, e não apenas do objeto a ser registrado, mas envolvendo todos os sentidos, alertas para o mundo e suas manifestações, sejam intrínsecas ou extrínsecas.
Vale ressaltar, ainda, a existência dos fotoclubes na década de 1960, que congregou tendências e nomes que deixaram registros memoráveis, e foram responsáveis pelos mais importantes salões de fotografia que aconteceram por aqui. Parte dessa experiência ainda é vivida por grupos saídos das oficinas de Chikaoka, que desenvolvem trabalhos de pesquisa e retomam discussões sobre o porquê fotográfico, inaugurando novas tendências, à luz de novas experiências.
Ocupando o cenário artístico, jornalístico, ou mesmo o publicitário, a fotografia é um diferencial, sem perder de vista as tendências e a região onde é realizada. E mesmo fora do eixo artístico do país, tem lugar de destaque por sua produção profícua e constante. Isso ajudou a transpor fronteiras da indiferença para alcançar um patamar de respeito e figurar entre os diversos pólos de produção nacional, merecendo a atenção de estudiosos e pesquisadores de outras regiões e fora do Brasil.
Entre a geração mais nova de fotógrafos encontram-se nomes que se sobressaem com trabalhos valorosos nos vários campos possíveis de leitura fotográfica, sendo documental, jornalística ou conceitual. Raros são os que não acumulam prêmios; todos, de uma estirpe sofisticada, crescidos à sombra de uma elaborada composição, pesquisa, intuição e sensibilidade.
Alberto Bitar, Claudia Leão, Elza Lima, Flavya Mutran, Mariano Klautau Filho, Octavio Cardoso, Orlando Maneschy, Paula Sampaio e Walda Marques são alguns fotógrafos que, com olhar apurado, trabalham a luz, legando imagens à posteridade, que compõem um acervo ainda por ser organizado, mas de extensa amplitude por sua diversidade.
Similaridades nas noites e movimentos urbanos de Alberto e Mariano, contrapõem-se às novas cidades criadas pela memória de Claudia, que com Orlando e Flavya, constrói imagens, relendo o factual e determinando luz, sombra e novos personagens compensando a ligação precária que temos com o passado. Fictícios são os personagens que saem do estúdio de Walda, cheios de vida e banhados de cor, contando suas próprias estórias. Paula e Octavio registram a Amazônia com poesia e virilidade, assim como Elza consegue imprimir às imagens todo o misticismo da região.
Se a fotografia, mais do que a interpretação do mundo, é também um convite à dedução e à fantasia, pode-se dizer que através das imagens captadas e/ou criadas por esses fotógrafos ela consegue libertar o conteúdo humano, redimensionando e dando à arte o exato escopo, de apropriar-se do mundo, relendo-o e recriando-o, inexaurivelmente.
Maria
Christina é fotógrafa e colaboradora
do site Cultura Pará, onde seu trabalho pode ser visto,
em alguns detalhes: www.culturapara.art.br/mariachristina.
O texto em questão, apresenta um resumo da história
da fotografia paraense e sua evolução até os dias de hoje. machristina@uol.com.br.
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