Palhaço herói

Tosca manhã que me apunhala pelas costas, te vencerei
com a mesma espada
que usaste para vencer a noite
Pouco importa as torrentes do escuro
e a sedução de suas águas que me querem soçobrar
não penso fugir da morte matutina
com seu cavalo branco-de-nuvem-circense
Mas/Pois serei antes de pasto amargo
um palhaço (herói) na jaula vazia
do circo azul dos dias
enquanto as feras - de soslaio -
espiam da platéia

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Trunfo

Enfim o poema
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no assoalho de palavras
sentado
embaralho cartas
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à manga um verso
escondido jaz
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Às?

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Poeta de estimação

Todos os dias
depois da ceia
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O cão late late
deita rola
e me lambe os pés
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O gato me olha
calmamente
se lambe o focinho
e sai
(pisando em plumas)
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Apesar de ser o cão meu amigo
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é mesmo um poeta esse gato.

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Circo
Vão-se migalhas do passado hostil
e o futuro acontece entre jograis.
Círculo em fogo - fere o ser febril -
sob a tenda que oculta os animais.
O circo era bonito e reluzente
- felino forte em jaula muito fraca -
os palhaços sorriam docemente
do mago previsível e sua arca.
Engrandeciam sonhos nos adultos
anões circenses (crianças encantadas)
mas os sonhos tornaram-se seus vultos.
Hoje a saudade armou-se com espadas
para cortar - lonado azul sombreiro -
e desnudar o amor no picadeiro.

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o estranho fim

terá um estranho fim a minha vida
sendo assim curta pensa em se acabar
achará o rumo apenas na partida
sem os sonhos perder ou descartar
terá somente as asas perfuradas
pelo imperdoável gume da saudade
mas voará sem o peso da maldade
que deixará nas jaulas gradeadas
terá nas mãos floresta colorida
as folhas rara flor e meigas chuvas
que renovarão a árvore esquecida
terá em seu peito o sol e nunca o medo
pois se a cortina (a morte) baixar cedo
jamais verá o passar das horas turvas

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oh céu gêmeo azul do oceano verde

oh
céu gêmeo azul do oceano verde
diz a teu agitado irmão
que de tuas jaulas os leões do sol me bafejam medos voláteis
quando no felino olvido bate a ondatemporal
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(toda ventura de Sansão por um fio de cabelo
nas mãos astutas dessa tarde a contemplá-lo)
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caem feras e misérias
sobre as cabeças calvas das baleias encalhadas
entre argilas rochedos areias e raízes
se ferindo
.
oh
oceano gêmeo verde do céu azul
ordena aos pássaros aquáticos
que em seus aduncos bicos de carne e silêncio elevem
aos miseráveis olhos de teu irmão
a consagrada gota deste sangue estranho
para aguar o tom das faces sobrehumanas
.
e celebrar
em plena treva
o oculto membro extraviado que há de vir
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envolto em branco círculo fosforescente
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Paulo Vieira
vieiranembeira.blogspot.com
pauloforest@gmail.com