ANDARA
A Amazônia vista com olhos mágicos
O autor & a obra

Vicente Franz Cecim nasceu na Amazônia, em Belém do Pará, no Brasil.

No caldeirão de uma escritura em absoluta liberdade, a literatura como alquimia abole as fronteiras entre a prosa e a poesia, funde o natural e o sobrenatural, o profano ao sagrado, e se lança em intensa busca do sentido metafísico do ser e da vida.

Em 1979, com A asa e a serpente, iniciou uma longa obra que até hoje continua criando: Viagem a Andara, o livro invisível, em que transfigura a sua região natural, a Amazônia, em Andara: uma região-metáfora da vida em que o sobrenatural emerge em epifania. É onde ambienta todos os seus livros.

Andara sendo a Amazônia vista com olhos mágicos, como já foi dito, ainda é literatura fantástica, mas à medida que individualmente os livros visíveis de Andara vão sendo escritos, deles surge o livro invisível, que já é literatura fantasma, segundo o autor, o não-livro, que não é escrito: corpo de um corpo que se sonha.

Em 1980, o segundo livro individual de Andara, Os animais da terra, recebeu o Prêmio Revelação de Autor da Apca - Associação Paulista de Críticos de Arte.

Em 1981, A noite do Curau, primeira versão do terceiro livro de Andara, Os jardins e a noite, recebeu Menção Especial no Prêmio Plural, no México.

Em 1988, Viagem a Andara, o livro invisível (Editora Iluminuras, São Paulo) reunindo os 7 primeiros livros de Andara recebeu o Grande Prêmio da Crítica da Apca.

Em 1995, Cecim publicou Silencioso como o Paraíso (Iluminuras, São Paulo) reunindo mais 4 livros individuais de Andara.

Em 2001, quando a invenção de Andara completou 22 anos, publicou Ó Serdespanto (Íman Edições, Lisboa) com 2 novos livros de Andara, lançado simultaneamente em Portugal e no Brasil e apontado pela crítica portuguesa como um dos melhores livros do ano.

Tem ainda inédito o 14º. livro de Andara: A lua sangrando sobre nós.

Por ocasião da publicação dos seus primeiros livros, o autor declarou: Prefiro interrogar os limites e a existência da própria literatura. E insinuar, para além da literatura fantástica, o advento de uma literatura fantasma.

E, em recente entrevista, disse: O natural é sobrenatural, o sobrenatural é natural. Foi o que o Andara me revelou. Já não faço Literatura: faço Escritura.

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Andara & a crítica

Uma ponte entre a palavra e o silêncio

Escrita vigorosa e inclassificável de Vicente Franz Cecim se apropria da prosa, do verso, da filosofia e do romance

...........Alberto Pucheu

Diante do indizível, tudo o que se pode falar será sempre pouco, mas, justamente porque estamos diante dele, devemos falar, muito, para, de algum modo, redizê-lo a cada instante, para mostrá-lo enquanto o que, da vibrante materialidade da linguagem, se ausenta para que ela apareça em toda sua força. Escrever, então, é um gesto que, pelos ruídos da mancha negra da página, flagra o silêncio em sua fuga. Na linguagem que vemos, o rastro da que não vemos. Nos livros visíveis, os vestígios deixados pelo livro invisível.  A presença da escrita através da fábula

Se Andara é a Amazônia mítica criada por Vicente Franz Cecim, é porque, na encruzilhada entre o manifesto e o não-manifesto, ela é vida. O livro se mostra como uma ponte entre a palavra e o silêncio, entre o visível e o invisível, entre o ser e o não-ser, entre “a vida lá” e “a vida vivendo aqui”. E a literatura, como uma outra vida que insiste em tornar possível a experiência da vida como a vida é. No mito de Andara, a presença da escrita através da fábula: não é o escritor quem fala, mas as árvores, as aves, a floresta, é vida mesma quem fala ao homem para sua aprendizagem através das falas de Andara. Quando é o homem quem fala ou escreve, quando outro apelido de Andara pode ser Vicente, Franz ou Cecim, é porque, falando na seiva da linguagem, quem fala por esses apelidos já é Andara ou, como dito, vida. O livro-floresta é o lugar que habitamos e precisamos habitar para saber da vida quem ela é e, sendo-a, quem somos nós.

Há muito, o projeto do paraense Vicente Franz Cecim é dos mais originais e ousados em nossa literatura. Se fomos obrigados a esperar primeiro a edição portuguesa de Ó Serdespanto, com o alarde maravilhado que lá causou entre as melhores cabeças pensantes, para, só então, termos o livro publicado por aqui, pior para nós, seus leitores, seus conterrâneos, que necessitamos de sua leitura como instigação ao que somos e ao que fazemos. Muitas vezes, somos lentos no que diz respeito a nós mesmo. O fato de um livro como esse, como toda sua obra anterior, não ser extremamente divulgado e valorizado entre nós ainda é fruto de um imenso desconhecimento que temos de nós mesmos e de certo provincianismo que – é bem verdade, cada vez menos – ainda resiste por aqui.

Na orelha do livro, referindo-se ao “thaumazein” grego, Benedito Nunes salienta com toda pertinência que Ó Serdespanto é um livro-poema que tem uma origem filosófica denunciada pelo próprio título (além disso, as aves filosóficas que pousam pelas respectivas páginas são, explicitamente, Heráclito, Plotino, Novalis e Kant e, implicitamente, Heidegger e Nietzsche, dentre outros). Pelo menos desde Platão, a palavra grega para dizer espanto é a que assinala a origem da filosofia, o desde onde a filosofia nasce e que, nela, continua a existir em todo o seu percurso a cada vez que ela se presentifica. O filósofo e crítico paraense poderia ter acrescentado que, para Aristóteles, estando na origem da filosofia, essa mesma palavra está, igualmente, na origem da poesia. Através do espanto, filósofos e poetas são o mesmo

Na ausência de conhecimento, sem caminhos, sem saídas, perplexos diante da constante aporia que a vida nos impõe, diz Aristóteles, é através do espanto que, de certo modo, poetas e filósofos são o mesmo. Assim, Ó Serdespanto é o homem que, através do indiscernível entre o originário do filosófico e do poético (“Eu sou a origem. Eu estou Lá na origem de tudo”), faz a vida como ela é – Andara – comparecer no corpo do livro. Enquanto que, na hegemonia da história do pensamento ocidental, essas duas experiências do pensamento e da linguagem estiveram cindidas, Ó Serdespanto aposta numa junção entre elas, respondendo com exemplaridade à requisição feita por Giorgio Agamben quanto à “urgência para nossa cultura de reencontrar a unidade de sua palavra fraturada”.

Para realizar da melhor maneira essa demanda, Vicente Franz Cecim faz da linguagem uma aventura e exuberância amazônicas: palavras-valises, conceitos, personagens-conceituais, imagens, forte musicalidade, fábulas, mitos, sonhos, delírios, discussões filosóficas, palavras iniciando com maiúsculas no meio das frases, páginas em branco, a importância da diagramação, do vazio e das manchas negras das páginas... De fato, são muitos os procedimentos usados por este livro que se apropria da prosa e do verso (fazendo algo que, na maior parte do tempo, não é nem um nem outra), da filosofia, da poesia, do romance e da mística em busca da perfeição da linguagem e do pensamento, encontrando uma escrita completamente vigorosa e inclassificável. ALBERTO PUCHEU É POETA E PROFESSOR DE TEORIA LITERÁRIA DA UFRJ / O GLOBO - PROSA & VERSO RIO DE JANEIRO - SÁBADO, 28 DE JULHO DE 2007.

A fulminante trajetória literária de Cecim, que se iniciara com o belo, poético e enigmático poema em prosa Viagem a Andara, o livro invisível, prossegue com um livro, se possível, mais rico e fascinante ainda: Silencioso como o Paraíso. Um dos mais perfeitos livros surgidos no Brasil nos últimos dez anos, imbuído de poesia, encanto e o que Guimarães Rosa chamava de 'peregrinação álmica' (da alma). LEO GILSON RIBEIRO / CADERNO CULTURAL A TARDE, BAHIA / Silencioso como o Paraíso.

Lembra Zaratustra e Maldoror e se esses livros são poesia, a prosa de Cecim não seria outra coisa. O fascínio sobre o leitor é permanente. MOACIR AMÂNCIO / O ESTADO DE SÃO PAULO, SÃO PAULO / Silencioso como o Paraíso.

O lírico, o fantástico, a imaginação em sua total liberdade: a linguagem de Cecim é poética e única. VOGUE, BRASIL / Silencioso como o Paraíso

Os textos de Cecim fundem profano e sagrado. Após ler Vicente Cecim a transformação interna do leitor é inevitável. OSCAR D'AMBROSIO / JORNAL DA TARDE, SÃO PAULO / Os divinos autores da década / Viagem a Andara, o livro invisível

O texto de Cecim funciona como uma partitura musical, que o leitor lê e relê, descobrindo a cada frase um novo timbre. VEJA, BRASIL / Silencioso como o Paraíso

É provável que seja a melhor literatura fluindo no Brasil. CARLOS EMÍLIO CORREA LIMA/ JORNAL DO BRASIL, RIO DE JANEIRO / Silencioso como o Paraíso

Depois de Guimarães Rosa, o paraense Vicente Cecim é o responsável por um dos mergulhos mais fantásticos e essenciais que a literatura brasileira já realizou sobre o sentido do homem. ANTONIO HOHLFELDT/ CORREIO DO POVO, RIO GRANDE DO SUL / Os jardins e a noite

Comparado a Guimarães Rosa, o escritor exibe talento e extrapola na inventividade. Cecim não é apenas um inventor, mas um descobridor. DEONÍSIO DA SILVA/JORNAL DA TARDE, SÃO PAULO / Silencioso como o Paraíso

Há um real submerso no homem que a literatura linear, de mera denúncia da disparidade social, não alcança e quase como o grande visionário, o poeta Novalis, Vicente Cecim também confirmaria que je poetischer, umso wahrer: quanto mais poético, mais verdadeiro. LEO GILSON RIBEIRO/JORNAL DA TARDE, SÃO PAULO / O universo de Vicente Cecim criado por inspiradas metáforas e alegorias/A asa e a serpente e Os animais da terra

A excepcional força poética de Os animais da terra deriva da duplicidade de sua narrativa, cindida em pla-nos opostos. A duplicidade favorece a dominância do relato delirante, que adquire o tom impessoal de um mito, do qual participam o vento, as árvores, o rio, os animais da terra - agentes de uma Natureza rebelada, propícia à ação do servo contra o cego. Esse mito de solidariedade cósmica não apenas revira a existência cotidiana, para exibir o seu estofo de sonhos (o estofo de que somos feitos, na imagem shakespeareana) - tirando proveito do lado ético da herança surrealista, Os animais da terra emprestam ao imaginário o caráter de realidade explosiva represada, de onde provém sempre o apelo poético à renovação da vida. Uma invenção poética. Que melhor denominação para este texto libertário, insurrecto? BENEDITO NUNES / LEIA LIVROS, BRASIL / Os animais da terra

Ler Viagem a Andara é penetrar em narrativas poéticas subversivas e míticas que trazem à tona, sempre renovado, o aforismo roseano: Viver é perigoso. OSCAR D'AMBROSIO / FOLHA DE SÃO PAULO, SÃO PAULO / Viagem a Andara, o livro invisível

Seus livros mostram suficientemente a disposição do escritor de fazer de sua ficção um exercício imaginativo. MOACIR AMÂNCIO / FOLHA DE SÃO PAULO, SÃO PAULO / Os jardins e a noite

A Amazônia vista com olhos mágicos. Um texto que ignora as fronteiras entre prosa e poesia. MÁRIO PONTES / JORNAL DO BRASIL, RIO DE JANEIRO / A asa e a serpente e Os animais da terra

Um delicioso exercício de delírio em que a ficção ajuda a descobrir a realidade. IRINEU GUIMARÃES / MANCHETE, BRASIL / Os animais da terra

Uma revelação extraordinária! Leo Gilson Ribeiro fala-nos, referindo um Guimarães Rosa que obviamente está presente nestes textos, em "peregrinação álmica" (da palavra "alma"), e a expressão está certa para nos dizer a estranheza, a perturbação, os momentos de arrebatamento que nos podem vir destes textos inclassificáveis, que oscilam entre uma espécie de deliberada monotonia do ser e o sentido golpeante das cintilações verbais. O pensamento liberta-se dos seus lastros terrestres e ganha um estatuto de ave, uma leveza de princípio do mundo, uma sageza do fim dos séculos, uma inocência dos extremos. O que faz de Ó Serdespanto um livro inclassificável é que ele é feito do círculo crepitante das histórias que se contam e recontam, do uso visionário das palavras refeitas letra a letra ou a da lenta respiração da terra. E sobretudo de uma demorada aprendizagem do espanto de ser e de não-ser. EDUARDO PRADO COELHO / PÚBLICO, LISBOA / Ó Serdespanto

É um livro total, na sua fusão de poesia, prosa, viagem utópica, divagação onírica, pensamento filosófico, reinvenção da palavra e reinvenção do mundo. Uma obra assim pode transformar a vida de quem a lê, se quem a ler estiver disposto a deixar-se transformar; mas, mesmo sem correr o risco dessa entrega, é impossível permanecer indiferente ao poder mágico da palavra de Cecim, palavra livre e vagabunda que cria uma cosmogonia própria, a um tempo estranha e familiar, reconhecível. Chamar-lhe inclassificável é, talvez, cobardia. Há um nome para esta espécie - rara - de acontecimentos, mas é um nome ousado e, nestes tempos de suspeita, pronto a ser banido: estamos perante um livro sagrado. Não importa quem o escreveu: foi escrito por um visionário. REGINA LOURO/PÚBLICO, LISBOA / Ó Serdespanto

Un récit onirique avec des résonnances archetypiques. BENEDITO NUNES / BOLETIM DA ASSOCIATION INTERNATIONALE DES CRITIQUES LITTÉRAIRES, PARIS / Os jardins e a noite

Foi como poesia que li A asa e a serpente: um poema lírico-narrativo talvez, ou um poema dramático na terminologia de Fernando Pessoa, para dar nome a esse texto revolto, que se desdobra com seu autor - misto de sonho e alegoria, fábula do sacrifício do algoz impessoal, morrendo e renascendo, como num ato de expiação infindável, dos míticos desvãos do inconsciente individual e coletivo. Mas toda fábula é o contorno imaginário exemplar de uma realidade possível que se intemporaliza. Esta de Cecim alude, parece-me, a uma realidade muito próxima que traumatizou sua geração: a época do grande medo, que se tornou assombração assombração política e fantasma histórico na cidade do Grão ou em qualquer outra parte do Brasil após 64. Mais firmeza ganharia a fábula se maior contraste houvesse entre o plano prosaico da narração e o plano lírico da expressão poética, conciliando o sonho e a alegoria. Com a dominância do lado onírico, ganhou por certo o lirismo, que transforma a narrativa numa assombração literária impetuosa. Sujeito e objeto de metamorfose, o texto se interioriza, e o fantasma da História tende à história fantástica. BENEDITO NUNES/APRESENTAÇÃO, BELÉM DO PARÁ / A asa e a serpente

Uma das grandes diferenças com Cobra Norato, do modernista Raul Bopp, escritor que também se alimentou do folclore amazônico, é o tratamento verbal. Ó Serdespanto não busca o humor e o pitoresco, e sim a estranheza. Apresenta uma carga intensa de suspense, de vigilância intelectual, de assombro metafísico e de veracidade, mesmo no sobrenatural. Ao contrário da trama tradicional que reproduz ações pela linguagem, a linguagem é a única ação. FABRÍCIO CARPINEJAR/REDEMOINHO / Ó Serdespanto

Houve já quem falasse em Amazônias, transfigurações natais de um paraense, quando uma voz destas excede qualquer regionalismo básico. Também Herberto não é a ilha em forma de cão sentado ou Pessoa a Rua dos Douradores. O cosmos, esse, fica-lhes demasiado bem. E "Andara é sempre desmoronamentos", figuração reticente da exultante ruína da linguagem, ausência soberana dos mapas teóricos que inventamos. Cabe àquele que escreve "semear de mãos vazias", na esperança de um dia colher "o fruto do júbilo obscuro". São raros os livros que, como Ó Serdespanto, elidem perguntas e respostas, abrindo-se à desmesura e à estranheza: "Benvindo ao estranho mundo". Poderíamos, no entanto, esboçar (e não mais do que isso) a genealogia em que este livro entronca. Nesse caso, teríamos de evocar essa espécie de "comunidade" de que fazem parte os nomes de Michaux, Herberto Helder ou Maria Gabriela Llansol. Contudo, a escrita de V. F. Cecim não se confunde, prossegue "amanhedescendo" e torna subitamente mais verdadeira a certeza de que "não há nada a dizer de um poema, pois é ele mesmo o dizer supremo" (Eduardo Lourenço). MANUEL DE FREITAS/PÚBLICO, LISBOA/Ó Serdespanto

O espanto que o livro de Vicente Franz Cecim provoca nos leitores e a dificuldade em classificá-lo indicam que não se trata de novidade que se expõe aos refletores da moda e em seguida se descarta, mas de algo verdadeiramente novo, com luz própria, que não nos é imposto como um objeto de mero prazer ou de conhecimento. Sua ficção se oferece ao espírito como objeto de interrogação, de pesquisa, de perplexidade. A leitura de "Ó Serdespanto" faz-nos mergulhar na noite negra, profunda, arcaica, de "Andara", na obscuridade que "rugerreluz", onde folhas e musgos, pedras e ventos, bichos e homens, gente e não-gente, mortos e não-mortos, sussurram aos nossos ouvidos, sem boca nem língua, apenas com o halo diáfano dos nossos próprios pensamentos, que a morte é vida e a vida é sonho. NICODEMOS SENA/O GLOBO/Ó Serdespanto