Sem realizar
exposição individual desde 1993, o artista plástico P.P. Condurú
inaugura no próximo dia 08 (fica até o dia 28) a mostra "História do Olho",
na Galeria da Unama. São doze desenhos em técnica mista, com direito a experimentos
estranhos e inusitados, como a utilização de óleo de cozinha, com resultados
surpreendentes. Os desenhos foram executados sobre papel comum, tipo madeira, que resiste
ao tempo e às intempéries do traço do artista, a cada dia mais sintonizado com uma
proposta de trabalho e pesquisa, tanto que se predispôs à interferência de um curador e
à leitura de textos do escritor francês Georges Bataille, como "O
Sacrifício", "A mutilação Sacrificatória de Vincent Van Gogh" e "A
História do Olho", pontapé inicial na construção da mostra e criação de
trabalhos. Tudo
tendo sido intencional, como a escolha do suporte, se papel ou tela, os trabalhos
obviamente não contam o drama das personagens de Bataille, ou mesmo introduzem o clima da
novela no espaço da galeria. Os desenhos comportam o sentimento da novela escrita por
Bataille, sua sensualidade e verdade. P.P. utiliza lápis colorido, pastel, alguma cola,
enfim, elementos que antes de serem alternativos são apropriados para a realização de
cada desenho.
Não há uma unidade
de tema, mesmo com o texto de Bataille, tendo sido a gênese de toda essa história,
espécie de fio condutor. O que existe é hegemonia, coerência. Uma continuidade na fala,
ainda que com algum sabor diferente.
Não existe na história qualquer
artista que tenha buscado, simplesmente por buscar, quaisquer fórmulas ou formas de
representar arte e pensamento - todos possuem um intento. O filósofo Walter Benjamin, em
uma passagem de seu "Diário de Moscou", quando de uma visita ao Museu
Histórico (dia 15 de janeiro), observa, frente às 29 telas de Gauguin que o Museu
possuía, "que os quadros de Gauguin me causam uma impressão hostil, atingindo-me
com todo o ódio que um não-judeu pode sentir em relação aos judeus". Certamente
Gauguin jamais desenvolveu, especialmente em sua fase taitiana qualquer ódio anti-semita.
As interpretações ficam à mercê do observador, que tanto pode estar de acordo com o
sentimento do artista como não. No primeiro caso, perfeição. No segundo, desconforto.
Frisar a passagem de Benjamin é importante para mostrar como seres essencialmente
humanos, por vezes partidários de uma ideologia, podem, subitamente, viver "a sua
queda para fora do tempo", como em verso Ingeborg Bachmann certa vez
disse.
"História do Olho" traz
em si a marca de um artista de muitos anos de trabalho; trabalho voraz que o consome de
forma avassaladora. A questão que está sendo trabalhada o absorve
inteiramente.
Inexiste a simples
percepção. Em "História do Olho" a questão do tempo é central. Trabalhos
como o "Famoso", ou "Ovo do Mundo" (alguns títulos grosseiramente
escritos sobre as pinturas com caneta bic escrita fina, ou grossa, pouco importa, porque,
no fundo, é assim que se escreve), denotam claramente a idéia de fragmentação, de
algum luto que importa o tempo, que se mostra fragmentado. O tempo é fragmentado como é
o próprio artista e seu trabalho labiríntico, por onde passam, como água a nanquim
traçada, os pensamentos eróticos e purificadores de Bataille, mesclados, é certo, a
algum volátil amílcar, ou sabor - aroma e sabor confundem-se - de frutas e flores secas
em um chá.
Em "História do Olho",
P.P. Condurú não inaugura nada de absolutamente novo,
simplesmente, graças a Deus, dá continuidade a uma coerência inata, portanto no parto
parto já existida. Há experimentos, saudáveis experimentos. A presença - algum
questionamento - do sentimento da morte como elemento estético da própria
contemporaneidade. O sentimento do tempo, como que orgânico, tendo algum fator destruidor
dentro de si mesmo; o bicho da maçã. O tempo fracionado, marcados pelos ponteiros de um
relógio natural, pelos ramos das árvores, ou o vai-e-vem da luz de um farol despedaçado
em sonho da jovem Virgínia Stephen.
A obra de
P.P. Condurú nunca esteve tão madura, tão pronta para quaisquer
mutações. Por isso a constante presença do homem. E um gosto a mais para quem for ver a
mostra sem ter lido a novela do escritor: nunca vai saber, afinal, o porque do olho.
Bataille disse ("O Erotismo"); "O que chamamos mundo humano é
necessariamente um mundo do trabalho, isto é, da redução. Mas o trabalho tem um outro
sentido sem ser o do sofrimento, o do cavalete de tortura, conforme acusa sua etmologia. O
trabalho é também a via da consciência por meio da qual o homem saiu da animalidade.
Goi pelo trabalho que a consciência clara e distinta dos objetos nos foi dada". Uma
vez mais P.P. Condurú cumpriu seu papel fundamental, concluiu um
trabalho.
Cláudio de
La Rocque Leal (O Liberal - 04/05/97) |
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