Fenda

Varado de súbito
De estranha melancolia

E de arguta voz e olhar
Neutro, eclipsado

O menino move-se
Ao estranho apelo

E movem-se também
Suas dilatas pupilas

Suas íntimas vigílias
E enigmáticas órbitas

E nesse instante
De transe inquieto

Dalgum sobressalto
Com seus pés pisando

Em profusão de palavras
Lírios e alpendres

O menino queda-se
Estatelado, no chão

De confuso chão
De comboio à espera

E o que era abismo
Fenda, labirinto

Fez-se um suave grito
Belo e não dissimulado.

Cifra

Antevejo teu céu
Reviro cicatrizes
Os nomes que damos às dores
O, nome é: some!

Pastamos nos pântanos
Já sabíamos, somos hipócritas
Mas sonhamos faróis, luzes
Nos túneis

Eis nossa cifra, desdita
A voz que ecoa inaudível.

Qualquer dia

Rouba-me em teu cavalo
Me embala em teus sortilégios
Passa limpo o meu nome
Nas tuas longas elegias

Quero ouvir teus presságios
Ainda há tempo, qualquer dia
Hora dessas me iludo
Furto tudo, me sujo de ti.

Um denso olhar

Um denso olhar
sobre as coisas

O Sol no pátio

As treliças antigas

Nada de esfinge
Mito, nuvens

A condensação da hora,
Tudo .

Jardim Público

Tantos anos tão poucos
Passo por este jardim
E essa fonte jorrando, espumando
Sua deliqüescência de anjos
Será sonho? Seria assim o céu?
E por que não me dei conta antes
Que a vida também é um jorro.

Jorge Andrade
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